Desastres naturais: como Santa Catarina opera para evitar tragédias de grande escala

Um dos momentos mais críticos em que a eficiência da gestão pública de um município é colocada à prova é em situações de desastres naturais. Em Santa Catarina, o crescimento no número de eventos extremos é registrado há anos, com enchentes, alagamentos, tornados, períodos de estiagem, granizo, ondas de frio e calor, entre outros.

Cheia do Rio Itajaí-Açu

Cheia do Rio Itajaí-Açu – Foto: Gabriela Szenckuk NDTV

Não por acaso, alguns municípios catarinenses são referência na gestão de desastres, tendo sido pioneiros na realização de estudos e adoção de medidas de prevenção.

Contudo, ainda há muito a ser feito. A gestão pública de desastres e eventos extremos demanda muito planejamento, pesquisas, investimentos e obras estruturais que podem levar anos para serem testadas na prática – afinal, nem sempre são registradas enchentes ou tornados.

Mas os municípios e o Estado devem estar prontos para lidar com as diferentes situações. Ademais, com o aumento na frequência dos eventos climáticos extremos, torna-se essencial e urgente rever as atuais estruturas e riscos, fortalecer as políticas públicas e ampliar a resiliência das cidades.

Aprendizados e experiências na gestão de desastres no Vale do Itajaí

O Vale do Itajaí é marcado por enchentes e eventos extremos. As características físicas e geográficas tornam a área suscetível e vulnerável nos períodos de chuva. Quem é da região já sabe que cedo ou tarde, a água vem e é preciso estar pronto para lidar com as eventuais enchentes.

Municípios como Rio do Sul, Blumenau, Itajaí, Taió, Laurentino, Presidente Getúlio, Agronômica, Ituporanga, Lontras, Rio do Oeste, Trombudo Central, Mirim Doce e Agrolândia estão entre as mais atingidas, com diversos decretos de emergência e até calamidade pública.

Sistema de monitoramento, planos de ação e normas para drenagem urbana: os exemplos de Blumenau

A cidade de Blumenau, por exemplo, foi pioneira no Brasil na adoção de um sistema de alerta de enchentes no Vale do Itajaí em 1983. Hoje o controle e monitoramento avançado de chuvas é realizado a partir do sistema AlertaBlu da Defesa Civil, que possui uma rede de 18 estações telemétricas, sendo 16 apenas para acompanhamento do volume das chuvas.

Registro de um dos piores desastres naturais do Estado, deslizamento em Blumenau, ocorrida em 2008

Registro de um dos piores desastres naturais do Estado, deslizamento em Blumenau, ocorrida em 2008 – Foto: Divulgação/Reprodução/ND

O sistema ainda é composto por uma estação meteorológica e uma estação hidrometeorológica, que funcionam de forma ininterrupta.

No site do AlertaBlu também podem ser localizadas informações sobre as cotas de enchentes, Planos de Contingência, Plano de Hospitais, mapa das áreas  de riscos e indicação de abrigos para situações de emergência.

Outra medida recente tomada para reduzir o impacto dos alagamentos em Blumenau, foi a definição de uma Quota de Drenagem Sustentável para novas construções e reformas no município.

Na prática, os novos projetos devem prever mecanismos e espaço de drenagem para a água da chuva, seja com jardins suspensos, áreas verdes ou outras modalidades de microdrenagem que minimizem os alagamentos na cidade.

Segundo o Engenheiro Samuel Aurelio da Silva, Diretor de Dragagem na Prefeitura de Blumenau, desde a criação do programa em 2022, estima-se que foram retidos mais de 10 milhões de litros de água, e uma economia de 15 milhões de reais.

Avanços em São João Batista após as enchentes de 2022

Outro exemplo recente da região é o município de São João Batista, que em dezembro de 2022 registrou uma das piores enchentes da sua história, com mais de 15 mil pessoas afetadas, inundação de 85% do território e elevação de até seis metros do Rio Tijucas.

Diversos pontos do município foram tomados pela água

Diversos pontos do município foram tomados pela água – Foto: Prefeitura de São João Batista/Reprodução ND

Na época, o município possuía um mapeamento simples das áreas de maior risco de erosão e alagamento, mas nenhum órgão tinha uma visão prática do que fazer em situações de emergência, tornando a gestão caótica.

Os resgates foram realizados com a mobilização local e apoio de diferentes entidades públicas e privadas, sem o registro de óbitos.

Em 2023, a Defesa Civil junto aos órgãos locais passou a estruturar ações de prevenção para novos desastres naturais, focando na conscientização da comunidade, formação de voluntários e ampliação da infraestrutura.

Atualmente, o município conta com um programa de formação nas escolas e nos bairros, além de unidades regionais da Defesa Civil. O município investiu ainda no acompanhamento de satélite das condições climáticas, aquisição de botes, e a criação do GRAC (Grupo de Ações Coordenadas) que atua em situações de desastres.

“As ações precisam ser trabalhadas constantemente e não apenas no momento dos desastres naturais, desde uma análise de viabilidade de construção, proposta de ordenamento territorial, estudos sobre a ocupação e uso do solo, além da definição de diretrizes e mapeamento sobre as áreas de riscos”

Destaca Fernanda Brasil Duarte, Coordenadora da Defesa Civil de São João Batista na época do desastre de 2022, e atual Diretora Executiva da FUMAB (Fundação do Meio Ambiente do município).

Medidas estruturais e soluções baseadas na natureza

A preparação dos municípios contra os eventos extremos envolve inúmeras ações. Os riscos e desastres naturais devem ser considerados na construção e revisão dos Planos Diretores.

E também em outros instrumentos de gestão como o Plano de Bacias Hidrográficas e Planos de Contingência dos municípios, considerando as diferentes características e necessidades da população.

Entre as medidas estruturais está a construção e manutenção de barragens e reservatórios, a construção de sistemas de drenagem, canais de contenção, diques e comportas, além do reforço de pontes, estradas e da infraestrutura geral dos municípios.

Também é importante considerar as ocupações em áreas de risco e buscar medidas para realocação dos moradores que vivem em encostas e áreas com riscos de deslizamentos, inclusive, com a construção de casas populares em áreas seguras.

Já as soluções baseadas na natureza buscam ampliar a resiliência das cidades a partir do uso de recursos naturais, como a restauração de florestas, áreas úmidas e APP ‘s (Áreas de Preservação Permanente), como as matas ciliares. A ocupação irregular e o desmatamento de encostas favorecem os riscos de erosão e deslocamento de massa.

Sem a vegetação nativa, há redução da permeabilidade do solo para absorção das chuvas, o que potencializa as enchentes e alagamentos.

Outros exemplos de soluções baseadas na natureza são as construções de áreas de preservação como parques lineares, como o Parque do Córrego Grande em Florianópolis.

A construção de parques inundáveis também é um tipo de solução que utiliza meios naturais para evitar enchentes, como na cidade de Curitiba (PR), que possui diversos parques espalhados na cidade.

Já em Balneário Camboriú, há mais de 10 anos, é discutida a construção do Parque Inundável e Multiuso, que terá como função tanto o armazenamento de água para períodos de estiagem, como a prevenção de enchentes.

O projeto teve a Licença Ambiental Prévia assinada no final de 2023, mas ainda não há previsão de construção ou abertura da licitação para as obras.

Prevenção contra desastres naturais e eventos extremos no mundo

Terremotos, tsunamis, furacões, vulcões, enchentes, ondas intensas de frio e calor… são inúmeros tipos de eventos e desastres naturais registrados em todo o mundo.

A gestão pública nos países exige tanto a definição de medidas estruturais, como a realização de obras, construção de abrigos e sistemas de monitoramento, bem como o treinamento da população para lidar com situações extremas.

Confira alguns exemplos na gestão de eventos hídricos e desastres naturais:

  • Holanda: um terço do país, que possui uma área de 41.850 km², está localizado em regiões muito suscetíveis a enchentes. Em 1953, 1800 pessoas e 30 mil animais morreram em uma grande enchente, enquanto mais de 100 mil pessoas ficaram desabrigadas.Nos anos seguintes, o país investiu na construção de um elaborado sistema de defesa contra inundações, com diques e comportas, no chamado Projeto Delta, finalizado apenas em 1997.Atualmente, o país discute novas obras e investimentos necessários para impedir novas cheias e os impactos da elevação no nível do mar.
  • Japão: referência no enfrentamento de terremotos, tsunamis, tufões e inundações, o Japão investiu em sistemas avançados de monitoramento e alerta, construção de casas e prédios mais resistentes, além da construção de barragens, diques e reservatórios subterrâneos para o controle de inundações.Em Tóquio, por exemplo, está localizada a maior instalação para controle de fluxo de água no mundo, o Canal Subterrâneo de Escoamento da Área Metropolitana, com 22 metros de profundidade e 6,3 quilômetros de túneis e câmaras cilíndricas, que lembra uma catedral subterrânea.
  • Inglaterra: Londres um quinto da cidade está localizada na região do Rio Tâmisa, que desde 1992 possui o segundo maior sistema anti-inundações do mundo, com 10 portões de aço, instalados em 520 metros ao longo do rio, fechados em momentos de tempestades e marés altas.O sistema de barragens impede o avanço das marés na cidade, marcada pela ocupação desordenada e impermeabilização do solo, além da canalização de rios.
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