A arte de Aldo Locatelli retratou o sagrado, o Estado e os imigrantes

Na arte, entre os grandes legados deixados pela imigração italiana estão obras do artista ítalo-brasileiro Aldo Daniele Locatelli. O pintor, nascido na Itália, chegou ao Rio Grande do Sul em 1948, para pintar uma série de afrescos na Catedral São Francisco de Paula, em Pelotas. Por aqui teve filhos e fincou raízes por 14 anos, quando morreu precocemente em 3 de setembro de 1962, em Porto Alegre.

No Palácio Piratini, 18 murais de Locatelli contam a lenda do Negrinho do Pastoreio | abc+



No Palácio Piratini, 18 murais de Locatelli contam a lenda do Negrinho do Pastoreio

Foto: fotos Fernando Bueno/Palácio Piratini

Nestes 14 anos, além de Pelotas, atuou em lugares como Caxias do Sul, Santa Maria, Porto Alegre e até no Vale do Sinos. No presbitério da Catedral São Luiz Gonzaga, em Novo Hamburgo, três pinturas de Locatelli retratam a vida de Luiz Gonzaga. À direita está sua primeira comunhão, à esquerda sua morte e, ao centro, atrás do altar, a glória de São Luiz Gonzaga.

Coordenadora dos Cursos de Artes Visuais na Universidade de Caxias do Sul (UCS), a professora Silvana Boone destaca que o tamanho da produção de Locatelli no Brasil impressiona, sendo uma referência da arte para diversas cidades. Apesar disso, destaca a relação que tem com o contexto da imigração italiana em Caxias do Sul e região. “Isso torna sua presença mais significativa, dada sua origem e as leituras que o imaginário coletivo promove nas associações estéticas com o Renascimento italiano”, analisa.

Exemplo disso é o trabalho no altar e no teto da Igreja de São Pelegrino, em Caxias do Sul. “Seguidamente, o teto da São Pelegrino é comparado aos afrescos de Michelângelo na Capela Sistina, inicialmente pela escolha temática, mas também pela estética pictórica”, observa Silvana. A própria trajetória do pintor ajuda a criar esta ligação com os imigrantes italianos. “Penso que ele, como um estrangeiro no Brasil, advindo da Itália e em terras desbravadas e lavradas pelos seus antepassados, traz na sua pintura a essência da arte italiana, fazendo jus ao espaço que ele ocupa como artista, e perpetuando suas heranças culturais e artísticas.”

Obras de Locatelli estão no  Palácio Piratini

Em Porto Alegre, suas obras podem ser apreciadas no Palácio Piratini, no saguão do Terminal 2 do Aeroporto Salgado Filho, na Fiergs e nos prédios do Instituto de Artes e da Reitoria da Ufrgs.

No Palácio Piratini, Locatelli é responsável por 23 pinturas murais: 18 contam a lenda do Negrinho do Pastoreio, duas representando as Artes (a primeira que tem como título Música, Literatura e Coreografia, e a segunda se chama Pintura, Escultura e Arquitetura) e mais três sobre a Chegada de Silva Paes, A Formação do Rio Grande do Sul e o Estado. O artista permaneceu pintando as paredes do Piratini de 1950 a 1955.

Obra-prima do artista ítalo-brasileiro

Quadro da Via-Sacra | abc+



Quadro da Via-Sacra

Foto: Reprodução

A professora da UCS acredita que o trabalho de Locatelli na São Pelegrino é o mais significativo pela “maturidade e o aprimoramento técnico do conjunto”. No entanto, pondera que a obra tem maior visibilidade por estar em um local turístico. “Esse acesso potencializa o interesse pelo conhecimento da sua obra e multiplica essa existência, muitas vezes, promovendo o interesse de outras pessoas em conhecer a grandeza dessa obra.”

Especialista em murais de grandes dimensões

Apesar de iniciar com a arte sacra, o artista se especializou em pinturas murais de grandes dimensões, sendo destacado pela crítica e por intelectuais como um dos responsáveis pela impressão da identidade gaúcha no cenário nacional a partir da década de 1950. Nos painéis, trabalhou a temática da heroicização do imigrante no mundo novo, como na obra Do Itálico Berço à Nova Pátria Brasileira, que se encontra na Prefeitura de Caxias do Sul. Retratou ainda a paisagem, passagens históricas, personalidades, episódios da literatura local e seus heróis — como a presença de Sepé Tiaraju na obra A Formação do Rio Grande do Sul.

“Locatelli foi um pintor clássico, tecnicamente perfeito no contexto da pintura mural, mas com um olhar crítico sobre as escrituras sagradas e atento à cultura local, tanto gaúcha, quanto religiosa”, analisa a professora Silvana. “Deu identidade simbólica aos personagens representados, nos diferentes contextos, ao mesmo tempo, deixando indícios da sua contemporaneidade através de elementos fora do contexto, tais como a lata ou o sapato nas estações da Via-Sacra na São Pelegrino.”

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