Com número de remoções de próteses de silicone em alta no Brasil, mulheres explicam por que decidiram retirar implantes


Foram mais de 41 mil cirurgias em 2023, contra 14 mil em 2016. Doenças, desconforto e estética são alguns dos motivos citados para retirada do implante. Janaína de Oliveira, Karine de Gasper e Cinthia Gurgacz escolheram retirar próteses de silicone
Montagem/Arquivo pessoal
O número de mulheres que optam por retirar o implante de silicone tem crescido no Brasil nos últimos anos. Os motivos são os mais variados. Vão desde uma mudança de opinião sobre estética até situações mais sérias, como câncer ligado às próteses e outras doenças.
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Dados da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica (Isaps) mostram o crescimento do número de explantes no Brasil, mesmo a cirurgia sendo mais complexa que a do explante (leia mais abaixo). Em 2016, foram feitas 14.190 retiradas de implantes. No ano passado, foram 41.314 (gráfico abaixo).
As Sociedades Brasileiras de Cirurgia Plástica e Mastologia sinalizam que a prótese é um corpo estranho no organismo, não duram para sempre e exigem cuidados (leia mais abaixo). Mulheres ouvidas pelo g1 Santa Catarina, no entanto, dizem que não foram informadas sobre todos os riscos antes de fazerem o implante.
Linfoma associado a implante mamário
Janaína Oliveira, gerente de 39 anos que mora em Brusque, no Vale do Itajaí, precisou retirar o implante por causa de um câncer. Ela descobriu um caroço enquanto tomava banho, nove anos e oito meses após ter colocado as próteses (vídeo abaixo).
Ela diz que não foi avisada sobre os riscos associados às próteses antes de fazer o implante. “Não fui informada que poderia causar doenças, muito menos um câncer. Porque se a gente é informado, a gente começa a pensar melhor, porque em primeiro lugar a nossa saúde!”.
A cura veio após um longo tratamento que contou com mais de 30 quimioterapias, um transplante de medula e o explante mamário.
“Fiz as 12 quimioterapias e fui curada, mas logo após já voltou o câncer. Então tive que passar por mais quimioterapia e como ele voltou em dois meses, muito rápido, eu teria que ir para o transplante de medula óssea. “, relata.
Inicialmente, conta, foi diagnosticada com linfoma de Hodgkin clássico, câncer que se origina no sistema linfático. Fez o tratamento, mas a doença voltou. Já no Centro de Pesquisas Oncológicas (Cepon), em Florianópolis, que Janaína descobriu que o câncer estava ligado às próteses.
“No Cepon, eles quiseram saber mais sobre a minha mama. Eles fizeram um novo exame com marcadores e deu que era das próteses. E aí eu tive que remover”.
Durante o tratamento, ela resolveu falar nas redes sociais sobre a própria jornada e conta que outras mulheres que também tiveram a doença já vieram conversar com ela.
“Conscientizar as meninas que têm esse sonho para pensar bem na saúde. Não ficar com esse pensamento ‘ai comigo não vai acontecer’, ‘é de prótese de antigamente, hoje em dia a tecnologia está avançada’. Não é disso que a gente está falando. Está falando de um corpo estranho dentro de si”.
Janaína de Oliveira fala sobre descoberta do câncer
Dor crônica
Outra mulher que tirou as próteses por motivos de saúde foi Karine de Gasper, de 35 anos, que é enfermeira em Jaraguá do Sul, no Norte de Santa Catarina. Ela colocou silicone em 2013 e ficou com as próteses por 10 anos.
Karine conta que não foi informada sobre os riscos do implante.
“Se fosse hoje, eu não teria tomado essa decisão. Na época, eu não era profissional da saúde ainda, então eu não tinha muito conhecimento dos riscos. Eu também não fui informada deles. Então eu acho que foi uma coisa não muito bem pensada. Era mais uma questão estética, que eu achava que talvez eu não me enquadrava em algum padrão de beleza”, pondera.
Após colocar as próteses, Karine conta que começou a desenvolver alguns sintomas, que sumiram depois do explante. “Eu tinha fadiga crônica, dores articulares, dor na escápula, dor na cervical, visão embaçada. Uma lista de sintomas gigante”.
“A fadiga crônica acho que era um dos pontos-chave porque você não tem disposição para fazer mais nada na vida, sabe? Tu vais para o trabalho te arrastando e tu chegas em casa, tu não consegues fazer mais nada. Tu não consegues fazer uma atividade física”.
Além da fadiga, as dores pioraram. “Eu entrei no processo de dor crônica que eu fiquei mais ou menos uns quatro anos tratando com tudo que é tipo de profissional e nunca surtia nenhum efeito. Tinha dor na cervical e na escápula. Fazia a fisioterapia duas ou três vezes na semana e nunca passava a dor. Também muita dor de cabeça, toda semana tinha dor de cabeça”.
A virada de chave para Karine veio quando um familiar questionou a situação. “Ka, tu já paraste para pensar que tu és uma pessoa magra, que tu sempre praticaste atividade física, tu sempre foste bem ativa e te alimentou bem? Não faz muito sentido tu estares nessa situação'”.
Foi quando a familiar colocou Karine em um grupo nas redes sociais de mulheres que relatavam sintomas relacionados às próteses onde encontrou diversos depoimentos parecidos com o que ela sentia. Após ver conversar com outras mulheres, Karine decidiu pelo explante. E declara que se sente melhor.
“Para mim, o que aconteceu na minha vida foi um milagre. Eu não tenho mais dor de cabeça. Eu nunca mais tive fadiga crônica, eu tinha todo dia. Eu nunca mais tive dor na cervical. Eu nunca mais tive dor na escápula. Quando você retira a prótese e você acorda da cirurgia, até a tua respiração é diferente”.
Karine de Gasper relata melhora na saúde após retirada de próteses de silicone
Contratura de cápsula
Cinthia Gurgacz, de 45 anos, é bancária, natural de Joaçaba, no Oeste de Santa Catarina, mas mora em Balneário Camboriú, no Litoral Norte. Foi na cidade praiana que ela tomou a decisão de colocar as próteses, em 2010.
“Eu lembro que eu me sentia um pouco fora do padrão porque todo mundo tinha peitão e ir para a praia era uma loucura. Eu me sentia muito fora”, conta.
Apesar dessa situação, Cinthia demorou a aderir às próteses. “Minha irmã já tinha colocado, uma amiga minha tinha colocado, só eu não tinha. Mas aí chegou uma hora que eu acabei cedendo e coloquei”.
Ela ficou com as próteses por cerca de 10 anos, sem nenhum problema. Porém, ela começou a notar que uma das mamas estava um pouco diferente do outra.
“Estava tudo bem, mas uma delas estava um pouquinho mais alta do que a outra e mais dolorida. E aí começou a me incomodar um pouquinho esteticamente. Eu via que, dependendo da blusa que eu colocava, ficava torto”.
Diante dessa situação, ela resolveu fazer uma consulta. “Foi aí que eu tive o diagnóstico. Tinha uma contratura de uma das cápsulas. Basicamente, o enrijecimento da cápsula”.
O médico disse a Cinthia que a contratura só iria piorar e doer mais. A indicação foi trocar as próteses.
“Nesse momento eu pensei ‘mas eu não quero colocar de volta’. Eu quero tirar, eu não quero mais ter essa dependência, vamos dizer assim, de ficar meio presa nessa situação. ‘Ah eu vou trocar’. Mas daqui 10 anos sempre tem que ficar trocando, né? Sem falar que é caro, não é barato”.
Também houve uma mudança na forma de Cinthia encarar a beleza. “Eu comecei a achar mais bonito o seio sem silicone”.
A partir daí, ela começou a pesquisar sobre explante na internet. Também em um grupo das redes sociais, encontrou a indicação de um médico e conseguir tirar as próteses.
“Não me arrependo. Ficou bem menor, lógico, mas logo depois a recuperação foi bem tranquila”, resume.
Cinthia Gurgacz fala sobre experiência de tirar próteses de silicone
Entenda mais sobre o silicone
Para tirar dúvidas sobre o assunto explante, o g1 conversou com o presidente da regional de Santa Catarina da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, cirurgião-plástico Rogério Schützler Gomes, com o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia, o mastologista Cícero Urban, e com o cirurgião-plástico especializado em explantes William Itikawa.
Risco de câncer
“A prótese, vamos dizer assim, é um corpo estranho dentro do corpo da mulher e que, em algumas mulheres, essa prótese pode desencadear alguns problemas. Não não quero dizer que toda mulher que tem prótese vai ter algum problema, mas existem algumas mulheres que desenvolvem alguns problemas com a prótese”, explica William Itikawa.
Um dos riscos é o Linfoma Anaplásico de Grandes Células Associado ao Implante Mamário, conhecido pela sigla em inglês BIA-ALCL, relatado por Janaína de Oliveira. “Ele começa a ter alguns nódulos assim normalmente, que se formam dentro do tecido capsular”, explica Rogério Gomes.
“Ele tem manifestações locais. Aparece tardiamente algum sintoma, começa a formar um seroma tardio, que é aquela coleção líquida ao redor do implante depois de alguns anos”, completa. A doença é resolvida com o explante, segundo ele. A incidência desse câncer é de um a cada 100 mil implantes.
O BIA-ALCL foi reconhecido pela Organização Mundial da Saúde em 2016. “É uma doença que tem rotina de diagnóstico, de tratamento. Tudo isso já tem definido”, diz William Itikawa.
Outros riscos associados às próteses de silicone
Em relação a outros sintomas que possam estar associados às próteses, ainda são feitos estudos. “Esses efeitos sistêmicos, que a gente vê, por exemplo, no que eles chamam de doença do silicone , ainda são objetos de muito debate”, resume Cícero Urban.
Existem duas situações que podem estar relacionadas ao silicone e são objeto de estudos. A primeira é a chamada doença do silicone, que seriam sintomas sentidos pelas pacientes e que melhoram com a retirada das próteses.
“É um conjunto de sintomas inespecíficos que mulheres ao redor do mundo começaram a referir ter esse sintomas, sintomas que melhoraram após a retirada do implante. Não chega a ser uma doença amplamente pesquisada, não chega a ser uma doença amplamente aceita, mas existem mulheres que, pela presença da prótese, desenvolvem alguns graus de intoxicação no corpo, levando a esses tipos de sintomas”, diz William Itikawa.
A outra situação é conhecida como síndrome ASIA, que seria uma doença autoimune associada ao silicone. “Existem artigos, existem trabalhos falando disso, mas não é uma doença, vamos dizer assim, unânime. Não é uma doença amplamente aceita”, diz Itikawa.
Dificuldades nos estudos
Rogério Gomes detalha que há dificuldades nesses estudos. “É muito difícil conseguir isolar, do ponto de vista científico, fazer uma análise é conclusiva, em função das grandes variáveis. A gente tem contato no dia a dia com vários clássicos vários materiais sintéticos e isso pode também ter sido a causa desses sintomas dessas pessoas”.
“O silicone também é um corpo estranho. O silicone é um material muito inerte, mas ele não é algo do organismo, ele é algo externo. Então essa dificuldade de isolar e dizer ‘ó, realmente é um silicone que causou”, explica.
“A Organização Mundial de Saúde não reconhece hoje a doença do silicone. É uma possibilidade aberta. Não está fechada essa possibilidade, mas está em estudo”, finaliza.
Orientações à paciente
O cirurgião-plástico explica que não existe uma norma formal sobre as informações que os médicos precisam dar às pacientes antes de realizar um implante de silicone. Porém, há recomendação que as mulheres sejam orientadas.
“Quando vai fazer uma cirurgia de implante, ela [paciente] tem que saber que é um corpo estranho, e pode desencadear reações de corpo estranho de qualquer ordem”, diz.
“Quem vai fazer uma cirurgia tem que saber também que pode abrir os pontos, podem inflamar, pode ter infecção. Pode ter alguns problemas como qualquer cirurgia. É uma obrigação do profissional avisar que cirurgia não é 100% seguro. Não é por que é plástica que não possa ter problemas”, finaliza.
Cuidados necessários com as próteses
Os três médicos reforçam que próteses não são para sempre. “Não existe implante de silicone definitivo”, destaca Rogério Gomes.
“O silicone certamente vai exigir uma troca. Ele tem uma uma durabilidade que é, em média, 10 a 15 anos. Porém, pode precisar trocar por alguma manifestação antes desse prazo de 10 anos ou pode até demorar um pouco mais”, diz Gomes.
O mastologista reforça que é preciso fazer exames para checar se tudo está bem com as próteses.
“Ela vai ter que cuidar dessas mamas a vida toda. Vai ter que fazer pelo menos um ultrassom anual desta mama para avaliar as próteses. Eventualmente, algumas ressonâncias magnéticas”, declara Cícero Urban.
“Qualquer alteração que exista nesses exames rotineiros anuais, tanto para o tecido mamário quanto para o silicone, aí tem que procurar o cirurgião-plástico para ver se existe alguma condição de anormalidade que mereça algum tratamento”, completa Rogério Gomes.
A cirurgia do explante é mais complexa do que a do implante
Um alerta dado por Cícero Urban é que as operações de implante e explante têm características diferentes. “A cirurgia do explante é mais complexa do que a cirurgia de colocação de próteses e o resultado nem sempre é o resultado estético satisfatório”.
“Uma paciente que já tem uma prótese por muitos anos tem uma mama que tem uma projeção e está sendo sustentada total ou parcialmente pela prótese. Na hora que você tira a prótese, ela perde essa sustentação e fica, se você só retirar a prótese e não reconstruir, fica com aquela mama totalmente caída e sem nenhum tipo de sustentação”, explica.
Por isso, é necessária uma outra intervenção do médico. “Você tem que fazer uma mamoplastia, uma mastopexia que a gente chama, você tem que injetar gordura e tem que criar uma forma desta mama que fique com a forma adequada, mesmo que seja com o volume menor”.
Gomes reforça que é necessário que a paciente entenda que a aparência ficará diferente. “Vai ficar com seio menor, com o seio normalmente com menos densidade. Muitas vezes, a gente consegue associar enxertos de gordura na mama para compensar essa saída do silicone, ele dá uma compensada parcial que certamente contribui para uma melhor estética”.
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