Do Oscar para Novo Hamburgo, a trajetória do astro de Orfeu Negro para o Vale dos Sinos

Quem passa pela Rua Viamão, nº 155, no bairro Guarani em Novo Hamburgo, talvez não imagine que ali viveu, por 20 anos, uma figura marcante do esporte e do cinema brasileiro. Campeão gaúcho em 1954 pelo Renner, Breno Mello também jogou ao lado de Pelé no Santos antes de migrar para as telas e se tornar protagonista de “Orfeu Negro” (1959), o primeiro filme com participação brasileira a vencer um Oscar.

Breno Mello em ação por Orfeu Negro | abc+



Breno Mello em ação por Orfeu Negro

Foto: Orfeu Negro/Reprodução

Nascido em Porto Alegre em 7 de setembro de 1931, Breno brilhou nos gramados antes de entrar para a história do cinema. Pelo Grêmio Esportivo Renner, marcou 90 gols em 133 jogos, desempenho que o levou ao Corinthians e, depois, ao Santos, onde jogou ao lado de um jovem chamado Edson Arantes do Nascimento, que surgia para o mundo com a alcunha de Pelé.

Atuava pelo Fluminense quando, em 1958, chamou a atenção de um produtor que buscava um protagonista para Orfeu Negro. Sem experiência como ator, Breno superou mais de 300 candidatos e deu vida a Orfeu, no longa que conquistou a Palma de Ouro em Cannes, o Urso de Prata em Berlim e o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1960. O prêmio, contudo, não veio para o Brasil, mas sim para a França por conta da nacionalidade do diretor, Marcel Camus.

A vida de Breno Mello

Depois do sucesso, o “Orfeu Negro” alternou participações em outros filmes e clubes, mas, apesar da fama internacional, foi em Novo Hamburgo que ele encontrou um lar. Casado com Liége Lourdes dos Santos Mello, viveu na cidade por cerca de 20 anos, teve quatro filhos – Jorge, Paulo, Susi e Liete – e jogou pelo Esporte Clube Floriano (atual Novo Hamburgo). Breno também trabalhou como contato publicitário no Grupo Sinos por 12 anos e atuou como representante comercial no setor calçadista.

Breno também trabalhou no ramo calçadista em Novo Hamburgo, após brilhar nos campos e nas telas | abc+



Breno também trabalhou no ramo calçadista em Novo Hamburgo, após brilhar nos campos e nas telas

Foto: Alceu Feijó/Arquivo Pessoal

Jorge Luiz dos Santos Mello, hoje com 71 anos, é o filho mais velho. Ainda muito jovem quando o pai brilhou nos campos e nas telas, Jorge relembra que a família morou com seus tios após o filme, até comprar a casa da rua Viamão. “O pai foi campeão gaúcho em 54, quando eu tinha um ano, e eu me lembro dele me levar na concentração dos jogos. Essa casa foi comprada em 1962, e passamos a morar aqui em definitivo”, conta.

A casa, no entanto, é completamente diferente do que se vê hoje, onde mora Liete dos Santos Mello, 53 anos. Ela é a mais jovem dos quatro e viveu toda sua vida nesta mesma casa. “Era de madeira, tinha uma escadinha do lado onde a gente ficava e temos várias fotos. Hoje, praticamente só o banheiro fica no mesmo lugar”, acrescenta. Um ano mais novo que Jorge, Paulo Roberto Santos Mello, 70, também acompanhou os pais durante a carreira estrelada de Breno.

Conforme Susi dos Santos Mello, 57, apesar de todos já terem visto Orfeu Negro, a família se reuniu uma única vez para assistir ao filme juntos. “Foi aqui nessa casa, um dia depois que soubemos que o pai morreu. Todo mundo veio para a casa da mãe, porque o velório iniciaria somente na manhã seguinte. Então, nessa espera, a gente assistiu. E foi a última vez que vimos juntos”.



Em 1979, Breno e Liége se separam. O Orfeu Negro casou-se novamente com Amelina Santos Corrêa, com quem teve mais uma filha, Letícia Mello, e passou a morar em Santa Catarina. “Meu pai morou comigo até meus 15 anos e sempre foi um homem muito carinhoso e afetuoso. Muito presente tanto na minha vida escolar quanto na minha vida pessoal, e me ensinou valores que eu trago para minha vida e que também ensino para os meus filhos”, conta Letícia.

Ela lembra também de acompanhar de perto a carreira de Breno e de viagens ao lado do pai. “Cheguei a viajar com ele. Eu ainda era pequena, mas me recordo, acho que foi o filme com José Wilker. Ele era um cara muito sorridente, com muitos amigos e amava muito o que fazia. Lembro que ele cantava as músicas pra mim do futebol, contava como foi morar e dividir um quarto com o Pelé, como foi encontrado para fazer o filme ‘Orfeu Negro’. Gostava muito de contar piada, era brincalhão, risonho e também muito respeitado pelas pessoas. E são essas memórias que transmito para os meus filhos”, acrescenta.



O legado em Novo Hamburgo

Para os filhos que cresceram em Novo Hamburgo, a presença de Breno Mello na cidade foi marcante. Ele não apenas levava o nome do município para o mundo, mas também era reconhecido localmente como “o Orfeu” do premiado filme. Quem visitava a cidade, sabia que ali vivia o protagonista do filme vencedor do Oscar.

Breno era figura presente em confraternizações empresariais e eventos culturais, sempre prestigiado pelos hamburguenses. Sua casa, na Rua Viamão, tornou-se ponto de encontro de influentes da cidade. Os filhos contam que, até hoje, carregar o sobrenome Mello desperta reconhecimento imediato. “Tu é filho(a) do Breno? Bah, conheci teu pai”, é uma frase que se repete ao longo dos anos, conforme Susi.

Liége e Breno Mello | abc+



Liége e Breno Mello

Foto: Arquivo Pessoal

A rotina da família era animada, com música, pratos especiais e o inseparável violão de Breno. Ele formou na cidade o grupo “Samba Quente e Suas Cabrochas” e, junto com Liége, frequentava os tradicionais bailes da Sociedade Atiradores. Essas lembranças, repletas de sons e encontros, fazem parte da identidade que seus filhos carregam até hoje.

Também está eternizado no quadro “Rixa Gaúcha”, de Ernesto Scheffel, localizado no segundo andar da Fundação Scheffel. O óleo sobre tela, pintado em 1952, tem quase cinco metros de comprimento e retrata Breno com seu violão em um cenário de confusão ao lado do tradicionalista Paixão Cortes. Já no andar superior, pode ser encontrado outra arte de Scheffel, retratando Breno como o “Orfeu do Carnaval”, em 1969.



Em seus últimos anos, Breno morava no bairro Tristeza, em Porto Alegre, onde faleceu em sua casa, em 2008, aos 76 anos, deixando cinco filhos e 12 netos. Sua memória, porém, permanece viva em Novo Hamburgo. Além de estar presente nas lembranças de quem o conheceu, seu nome está eternizado também em uma rua no bairro Santo Afonso desde 2010. Breno Mello apareceu nas telas pela última vez em 2005, no documentário Papão de 54, que retratou a conquista do título gaúcho. Pela última vez, até agora…



Breno Mello vai voltar para as telas

Em um momento em que o cinema brasileiro conquista o Oscar de Melhor Filme Internacional com Ainda Estou Aqui, a história de Breno Mello, um nome que ainda ressoa nas lembranças daqueles que o viram brilhar, ressurge como um marco do talento brasileiro que ganhou o mundo, deixando suas raízes também em Novo Hamburgo.

A história de Orfeu, que encantou o mundo, teve Mello como protagonista e, com sua atuação, ele ajudou a abrir portas para o cinema nacional. Embora o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro tenha sido concedido à França, Orfeu Negro trouxe o Brasil para o centro das atenções internacionais. Em 2011, o então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, esteve no Brasil e destacou a obra. “Eu vi um filme com minha mãe, eu era muito pequeno. Chamava-se Orfeu Negro e se passava nas favelas do Rio de Janeiro, no Carnaval. Minha mãe amou aquele filme”, disse.

Breno Mello, morador de Novo Hamburgo, foi o ator principal do filme Orfeu Negro  | abc+



Breno Mello, morador de Novo Hamburgo, foi o ator principal do filme Orfeu Negro

Foto: Memorial Renner/Divulgação

Agora, quase 20 anos após sua morte, Breno Mello voltará a ser protagonista de uma produção cinematográfica. Isso porque está em desenvolvimento o roteiro de “A Descoberta de Orfeu”, documentário que busca revelar mais sobre a trajetória do ator e jogador gaúcho. “Eu acho maravilhoso a história dele ser trazida de volta. As pessoas têm que saber sobre esse passado”, celebra Liete.

Em um encontro na antiga casa de Breno, os filhos se reuniram para falar sobre o documentário e relembrar histórias. Entre centenas de fotos, e recortes de jornais, a história de vida da família Mello revelou detalhes que até para eles eram desconhecidos. “Muita coisa a gente sabe pela imprensa, porque éramos muito pequenos”, comenta Jorge. E é graças a essas relíquias guardadas pelos irmãos, que Paulo pôde recuperar registros de sua própria história com o pai. “Minha casa foi atingida pela enchente, e tudo o que eu tinha se perdeu”, afirma.

O homem por trás do personagem

O projeto, aprovado no Edital de Fomento ao Audiovisual da Secretaria da Cultura de Novo Hamburgo e financiado pela Lei Paulo Gustavo, está sendo conduzido pelos cineastas Alexandre Derlam e René Goya Filho. A dupla conheceu Breno Mello durante as pesquisas para o longa “Papão de 54”, sobre o time do Renner que ganhou invicto o campeonato gaúcho de 1954, e se encantou com sua história de vida. Agora, pretendem mostrar ao público não apenas o mito que conquistou as telas, mas o homem por trás do personagem.

A pesquisa para o documentário já está em andamento, com especial atenção ao período em que Breno viveu em Novo Hamburgo, cidade onde constituiu família e trabalhou por anos. Além disso, o projeto prevê ações de divulgação e a busca por parceiros para viabilizar a produção do filme, que ainda não tem data de estreia.

Breno Mello, morador de Novo Hamburgo, foi o ator principal do filme Orfeu Negro em encontro no Memorial Renner, em Porto Alegre, com Enio Hilbert ( Botonista) Alexandre Derlan (cineasta), Raul Kinnemann( último goleiro do Renner) e o arquiteto Luis Carlos Macchi | abc+



Breno Mello, morador de Novo Hamburgo, foi o ator principal do filme Orfeu Negro em encontro no Memorial Renner, em Porto Alegre, com Enio Hilbert ( Botonista) Alexandre Derlan (cineasta), Raul Kinnemann( último goleiro do Renner) e o arquiteto Luis Carlos Macchi

Foto: Memorial Renner/Divulgação

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