‘Foi difícil, eu tinha 25 anos’: a jornada de uma jovem contra o câncer de intestino

Beatriz Akemy Suzuki, 32 anos, é movida por paixões: pela culinária, pela criação de conteúdo, e certamente, pela sua própria vida. Nascida em Birigui e vivendo em Clementina, ambas no interior de São Paulo, construiu seu caminho entre sabores e palavras, dividindo o tempo entre a arte de preparar sushi e a construção de histórias. Mas, aos 22 anos, um pequeno sinal surgiu e plantou uma semente de incerteza: um discreto sangramento ao evacuar.

Como quem ignora um aviso do destino, ela seguiu sem dar importância. O tempo, porém, não esperou. “Acontecia só quando prendia o intestino. Como era só de vez em quando, não dei importância. Com o tempo, o sangramento ficou mais intenso e outros sintomas apareceram”, conta ela em entrevista exclusiva à Catraca Livre, para a série especial do Março Azul, em conscientização sobre o câncer de intestino.

‘Foi difícil, eu tinha 25 anos’: a jornada de uma jovem contra o câncer de intestino

Uma descoberta silenciosa

O que antes parecia passageiro tornou-se persistente. A perda de peso, o cansaço injustificado, a dor discreta que foi crescendo. Beatriz calou-se, como tantos fazem diante do medo. Até que sua irmã, ao perceber os sinais no cotidiano, tornou-se a voz que ela ainda não tinha. Entre consultas e exames, veio o resultado: câncer de intestino. “Foi difícil. Eu tinha 25 anos, estava cheia de planos e, de repente, precisei ajustar tudo para enfrentar um tratamento desafiador”, relatou a jovem.

A espera por respostas foi um desafio à parte. A colonoscopia, exame essencial para o diagnóstico, levou um ano para ser realizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Quando finalmente foi atendida no Hospital do Câncer de Barretos, em São Paulo, a confirmação veio. “Não desista”, disse o médico, segurando suas mãos. E, mesmo que tudo dentro dela gritasse por respostas, foi essa frase que se tornou seu farol em meio à tempestade.

“O médico imprimiu o resultado na hora que entrei na sala dele, e começou a me explicar que no exame foi encontrado algo, fez a biópsia e que deu maligno… eu só abaixei a cabeça e parece que tudo ficou mudo. Mais desafiador ainda foi contar para minha mãe que estava do lado de fora me esperando. 5 anos havia passado do falecimento do meu pai devido um câncer de pulmão. E reviver a doença na família, apesar de ter consciência de que cada caso é um caso, foi muito desafiador.”

Entre cicatrizes e renascimentos: Beatriz transformou sua jornada contra o câncer em força e inspiração.

Assim como Beatriz, diagnosticada com câncer de intestino aos 25 anos, outros jovens também têm recebido esse diagnóstico cada vez mais cedo. Um estudo, publicado na revista Gut, indica que o número de casos aumentou, impulsionado por fatores como alimentação ultraprocessada, sedentarismo e obesidade. Antes visto como uma doença de pessoas mais velhas, o câncer colorretal agora alerta para a necessidade de atenção aos sintomas e rastreamento precoce, independentemente da idade.

O caminho entre a dor e a esperança

O tratamento exigiu entrega. Diferente de muitos casos, Beatriz não precisou de quimioterapia ou radioterapia antes da cirurgia. O tumor foi retirado em um primeiro procedimento cirúrgico. No entanto, essa foi apenas a primeira batalha.

Ao longo do tratamento, passou por quatro cirurgias. Ficou ostomizada por dez meses, aprendendo a se adaptar à nova realidade. Cada cicatriz era uma nova história que seu corpo contava. O que poderia ser fardo, Beatriz transformou em acolhimento. No silêncio da internet, ela procurou rostos que refletissem sua trajetória, mas não encontrou. Então, decidiu ser o rosto que outros precisavam ver. Compartilhou sua experiência, suas dores e conquistas, tornando-se um refúgio para aqueles que atravessavam o mesmo caminho solitário.

“O meu desafio maior foi com a ostomia. Foi como cair de paraquedas em um universo novo. Até me adaptar, encontrar o produto ideal, conseguir o fornecimento adequado, levou um tempo. E isso tudo refletia na minha confiança de sair de casa e voltar a ter minha rotina. O que me ajudou muito foi ter direcionamento de uma estomaterapeuta (enfermeira especializada em estomia), que me fez uma visita e me passou dicas de trocas e produtos. Além de me guiar a conseguir o fornecimento adequado de produtos pelo município. Além de amigos ostomizados que fiz através das redes sociais que foi compartilhando dicas também.”

Mesmo após a reversão da ostomia, o tratamento continuou. Veio a quimioterapia adjuvante, uma etapa necessária para evitar recidivas. A quimio trouxe seus próprios desafios: a fadiga extrema e os enjoos.

A alimentação tornou-se um aspecto importante durante todo esse processo. Durante a ostomia, precisou aprender quais alimentos eram melhor tolerados. Depois, com a quimioterapia, o desafio foi manter o corpo nutrido em meio às náuseas e à perda de apetite.

“Logo no início, antes mesmo da primeira cirurgia, fui orientada pelas profissionais que me acompanhavam a iniciar dieta 100% líquida porque o tumor estava obstruindo o intestino. Apesar de eu enfrentar todas as fases com otimismo, com o passar do tempo as vezes eu sentia falta de mastigar algo sólido. Mas tentava pensar que era temporário, que logo ia passar.”

 

 
 
 
 
 
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O apoio que sustenta

Nenhuma batalha é vencida sozinha, e para Beatriz, o apoio familiar foi essencial. Sua mãe esteve ao seu lado em cada consulta, cada internação, cada momento de dúvida. Seus irmãos foram seu porto seguro, sua força quando o medo ameaçava dominá-la.

“Minha mãe esteve comigo sempre. Meus irmãos apesar de morarem em outras cidades, se faziam presente de alguma forma. Tive amparo de amigas tanto de infância quanto dos construídos na faculdade. Não foram muitos, mas foram os suficientes para eu me sentir acolhida.”

O reencontro com a vida

Entre cirurgias e quimioterapia, Beatriz reencontrou o amor. Conheceu seu namorado durante o período em que usava a bolsa de ostomia, num desafio de vulnerabilidade e aceitação. Descobriu que a beleza não está na ausência de marcas, mas na história que elas contam. E, passo a passo, dia após dia, alcançou a remissão. Em dezembro de 2023, recebeu sua alta definitiva: cinco anos sem sinais da doença, cinco anos de resiliência.

“A questão da autoestima foi algo que foi se reconstruindo aos poucos. No mesmo período que estava ostomizada foi quando conheci meu namorado, então teve esse desafio de me permitir amar e ser amada estando nessa fase de adaptação com a bolsinha.”

Ao lado da família, que foi seu porto seguro, Beatriz atravessou os desafios do tratamento com resiliência.

O legado de uma nova Beatriz

O câncer ensinou a Beatriz a escutar seu corpo, a ser paciente ativa, a se permitir acolhimento. Aprendeu que a direção importa mais que a velocidade e que pedir ajuda é um ato de coragem. Hoje, continua seu trabalho de conscientização, nas redes sociais e na vida real, ajudando outros pacientes a enfrentarem seus medos e desafios. O que começou como um diagnóstico virou missão.

“Seja um paciente ativo e responsável e participe ativamente das suas decisões médicas. Não tenha medo de fazer perguntas. Cuide da sua saúde emocional. O medo de reviver tudo o que passou vai existir, mas não deixe que isso te paralise. Tenha uma rede de apoio, mesmo que virtual. Não passe por isso sozinho. Juntos a gente encara. O risco de pedir ajuda é de ser ajudado.”

De acordo com estimativas do Instituto Nacional de Câncer (INCA), o Brasil deverá registrar aproximadamente 44 mil novos casos de câncer de intestino por ano entre 2023 e 2025. Desses, cerca de 23.660 serão em mulheres e 21.970 em homens. Em 2020, foram registradas 20.245 mortes pela doença no país, sendo 9.889 homens e 10.356 mulheres.

Neste Março Azul, Mês de Conscientização do Câncer de Intestino, a história de Beatriz ecoa como um lembrete: ouvir os sinais do corpo é um ato de amor próprio. E viver, apesar das adversidades, é uma escolha que se faz todos os dias.

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