Como a Prefeitura de Novo Hamburgo pretende acabar com as ocupações irregulares na cidade

“Estamos preocupados. Temos um cadeirante dentro de casa. E se eles vêm aqui de uma hora para a outra e ‘passam’ a retroescavadeira? Não temos para onde ir”, questiona Vera de Oliveira, 48, que mora há quase cinco anos com a família às margens da Avenida dos Municípios, em Novo Hamburgo, e teme ser retirada pela Prefeitura de Novo Hamburgo do local.

Vera de Oliveira, 48 | abc+



Vera de Oliveira, 48

Foto: Laura Rolim/GES-Especial

A apreensão da catadora surgiu depois que o governo municipal iniciou na semana passada uma série de intervenções para acabar com áreas de ocupação irregular na cidade, problema considerado histórico e que tem gerado preocupação tanto pelo risco às populações envolvidas quanto pelas questões ambientais.

Coordenado pela Procuradoria-Geral do Município (PGM), com colaboração das secretarias de Gestão, Governança e Desburocratização; Segurança; Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano; e Desenvolvimento Social e Habitação, o grupo já mobilizou duas forças-tarefa.

A primeira ocorreu na quarta-feira (22), quando notificaram famílias que vivem às margens da Avenida dos Municípios a deixarem o local em 30 dias. E, a outra, na quinta-feira (23), quando demoliram uma construção irregular na Estrada da Integração Leopoldo Petry.

Vera, no entanto, ainda não foi notificada, pois não estava em casa na quarta. Mesmo assim, ela pretende ir até a Assistência Social para entender o que é possível ser feito, pois ela e família não têm outro local para morar.

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“Nós já não temos praticamente nada dentro de casa, pois a enchente pegou em tudo. Estão pagando pouco na reciclagem. Quase não dá nada. Esperamos que haja uma solução com a Prefeitura e que achem um lugar para ficarmos”, afirma, esperançosa.

Prefeitura pretende acabar com as invasões no município

Com objetivo de evitar que as ocupações se consolidem em Novo Hamburgo, as duas intervenções da semana passada foram as primeiras para retirar famílias que vivem em áreas públicas, de preservação ambiental ou de risco. Além da Avenida dos Municípios, outros dois pontos críticos estão no radar da Administração Municipal: a área do bairro Santo Afonso, próximo à casa de bombas e a área da RS-239, em frente à Universidade Feevale.

“As três áreas têm em comum a alta dinamicidade, com rápida alteração do número de ocupantes. Em razão disso, o Município está atualizando os dados da última fiscalização realizada, em julho de 2024, a fim de ter um número mais preciso de ocupantes”, explica o procurador-geral, Vanir de Mattos.

Segundo Mattos, a iniciativa busca, inicialmente, realizar uma avaliação geral sobre os procedimentos administrativos e judiciais necessários à regularização dessas áreas. “Novo Hamburgo tem, historicamente, um grave problema habitacional, do qual decorre o grande número de ocupações irregulares no Município”, afirma.

O que deve ser feito?

As ações planejadas pelo grupo de trabalho se concentram em três eixos principais. Primeiramente, devem ser identificadas as pessoas em situação de vulnerabilidade que habitam estes locais, seguida pela desocupação das áreas por meio das medidas previstas na legislação e, por fim, a prevenção de novas ocupações.

Atualmente, o município já iniciou o trabalho de campo para notificar as famílias. Aproximadamente outras 50 famílias que vivem em áreas de invasão ainda deverão ser notificadas.

O grupo de trabalho não limitará as ações apenas às áreas públicas. As ocupações em áreas privadas também serão alvo, especialmente quando envolvem riscos ambientais ou para a segurança dos ocupantes. “O Município possui o dever constitucional de proteger o meio ambiente e de garantir a segurança da população. Por isso, seja área pública ou não, as ocupações em áreas de risco e de preservação ambiental serão objeto do trabalho do grupo”, destacou a Prefeitura, ressaltando que o objetivo é enfrentar a crise habitacional de forma abrangente.

Conforme o governo municipal, após a identificação, as pessoas em situação de vulnerabilidade são encaminhadas para cadastro nos programas assistenciais e habitacionais do Município. A Prefeitura ressalta ainda que, na ação integrada do dia 22, “foram realizados atendimentos e orientações detalhadas sobre os programas disponíveis, reforçando o compromisso do município com soluções que respeitem o direito de todos os envolvidos”.

Na oportunidade, a titular da Secretaria de Desenvolvimento Social e Habitação (SDSH), Gislaine Pires, ressaltou que o governo irá trabalhar com duas possibilidades para garantir um lar às famílias que foram intimadas a se retirarem em um mês. “Vamos trazer a proposta do aluguel social ou, inclusive, do projeto Minha Casa Minha Vida (MCMV) Reconstrução”, explicou. O programa passou por uma alteração, e agora permite o atendimento a pessoas que vivem em áreas de risco.

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Segundo Gislaine, no caso da impossibilidade de disponibilizar os recursos do MCMV Reconstrução no curto período, que destina R$ 200 mil para que as famílias escolham uma nova residência, o governo municipal já trabalha com outra possibilidade. “Se não tivermos este programa, teremos de ir em busca do aluguel social. Vamos ter que avaliar todo este contexto porque elas precisam ter onde morar”, garantiu.

Quando estão previstas as desocupações?

Conforme a Procuradoria-geral, “as desocupações seguem os trâmites do processo legal, que pode incluir processos administrativos ou, se necessário, judiciais. As datas e os procedimentos dependem do cumprimento das notificações para desocupação pelos ocupantes. Caso as notificações não sejam atendidas, o município dará continuidade ao processo, observando todas as garantias legais e priorizando soluções que minimizem impactos sociais”, pontua.

Na operação de quinta-feira (23), o secretário municipal de Meio Ambiente, e Desenvolvimento Urbano Anderson Bertotti, esclareceu que já existem situações em tramitação na justiça, e afirmou que o município vai agir para evitar que as ocupações se consolidem.

“A partir de agora, a postura do poder público municipal vai ser essa diante das invasões. Sempre que ocorrer uma invasão, ou tentativa de invasão em área pública, área de preservação ambiental ou área de risco, o poder público vai agir imediatamente para evitar novas ocupações ilegais”, garantiu Bertotti.

“Eu entendo que eles querem organizar, mas precisam achar uma solução”

Roque de Carvalho, 53, está entre as famílias notificadas pela Prefeitura a deixar a casa que vive com a esposa, Elaine Aparecida, 52 anos, às margens da Avenida dos Municípios. “Tudo o que nós temos, eu e minha esposa, é de suor, de trabalho. Tudo o que a gente tem, ou quase nada que temos, foi trabalhando. Daí vão vir aqui e colocar uma máquina para destruir tudo?”, questiona.

Roque de Carvalho, 53 | abc+



Roque de Carvalho, 53

Foto: Laura Rolim/GES-Especial

Ele defende que se tenha um diálogo entre os moradores e a Prefeitura. “Eu entendo que eles queiram organizar. Sabemos que a irregularidade do Município é grande. Só acho que estão agindo errado. Um diálogo seria muito melhor do que essa reação que eles estão tendo”, reclama.

Carvalho afirma que pretende ir até a Defensoria Pública para encontrar uma solução ao problema. “Não podemos pegar e sair assim. Eu não não vim aqui e invadi. Eu comprei esse espaço”, expõe.

*Colaboraram: Dário Gonçalves e Eduardo Amaral

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