‘Alaga tudo’: moradores sofrem com trechos inacabados do Contorno Viário

Alagamentos, barulho excessivo, poeira e danos às casas. São 12 anos de atraso e o Contorno Viário, que deveria ser finalizado na última quarta-feira (31), mais uma vez, não foi. Ao menos não como deveria.

Obra no Contorno Viário

O Contorno Viário da Grande Florianópolis, que deveria ser inaugurado nesta quarta-feira (31), segue com obras inacabadas – Foto: Germano Rorato/ND

No dia 9 de agosto, o presidente Lula vem a Santa Catarina para “inaugurar” a obra e, com isso, a Arteris, concessionária responsável pelos trabalhos, subcontratando empreiteiras, ganhou uma semana a mais de trabalho.

No dia que o Contorno Viário deveria estar finalizado, equipes de reportagem do Grupo ND visitaram diferentes pontos da obra e registraram dezenas de homens e maquinários trabalhando a pleno vapor, porém, atuando em frentes que, visivelmente, não seriam concluídas até o fim do dia.

Moradores reclamam de trechos não concluídos, danos em casas e alagamentos

Motorista de aplicativo, Jonas Hillesheim mora desde 2005 no bairro Pachecos, próximo a um dos pontos da obra do Contorno Viário. “Nada pronto. A cabeceira da ponte não está pronta. Como vão deixar pronto? Vai ficar pronto quando? No dia da inauguração?”, questiona o morador.

A principal queixa dele é quando chove. Nos últimos cinco anos, ele e a comunidade passaram a enfrentar uma situação que não acontecia antes. “Alagamento aqui é constante. Deu chuva, alaga tudo. Teve uma enchente que a água entrou na cintura dentro de casa. Depois que começaram a obra, passou a encher tudo. Quando estoura o rio Cubatão, vem tudo pra cá. Terrível. São muitos anos de incômodo”, registra.

Motorista aposentado, João Rogerio Pessoa tem uma opinião e um problema semelhante. “O nosso maior problema é a falta de uma dragagem para escoar a água que enche aqui. Se der chuva forte, vai alagar de novo. Teve uma vez que entrou água a 60 centímetros dentro de casa. Investimos quase R$ 10 mil na cozinha e a parte de baixo dos móveis estragou”, reclama o aposentado.

Coordenadora pedagógica, Marcilei Aparecida Mattos, 50 anos, passou de carro pela equipe de reportagem. Ela mesma quis falar. “Sem condições de inaugurar. Está péssimo o que estamos sofrendo com esse contorno, as casas, os moradores. Era pra estar pronto e nada”, lamenta Marcilei.

A professora Claudia Motta Pessoa, 47 anos, está cansada dos transtornos. “Essa obra causou bastante dano nas nossas casas, mexeu nas estruturas, está tudo rachado na nossa casa”. Ela também comentou o atraso: “Nada finalizado. Enquanto isso, poeira, barulho e a gente não tem paz nem de dia nem de noite para dormir”, critica.

A merendeira aposentada Vilma Conceição da Silva, 67 anos, reclama da futura dificuldade que terá para ir do Pachecos para a Guarda do Cubatão e vice-versa. “Vamos ter que dar uma volta enorme. Tô tirando de onde não tenho para ajudar minha neta a ir pra aula. Está muito difícil, estamos brigando por lugar com os carros [para fazer a travessia em meio à obra]. Não tem condições. Por que não fizeram uma passarela para nós?”, protesta a moradora.

O motorista de aplicativo Jonas Hillesheim reclama que as obras pioraram a situação das chuvas na região: “Alagamento aqui é constante. Depois que começaram a obra, passou a encher tudo. Quando estoura o rio Cubatão, vem tudo pra cá” - Germano Rorato/ND

1
3

O motorista de aplicativo Jonas Hillesheim reclama que as obras pioraram a situação das chuvas na região: “Alagamento aqui é constante. Depois que começaram a obra, passou a encher tudo. Quando estoura o rio Cubatão, vem tudo pra cá” – Germano Rorato/ND

O motorista aposentado João Rogerio Pessoa compartilha do mesmo problema: “O nosso maior problema é a falta de uma dragagem para escoar a água que enche aqui. Se der chuva forte, vai alagar de novo” - Germano Rorato/ND

2
3

O motorista aposentado João Rogerio Pessoa compartilha do mesmo problema: “O nosso maior problema é a falta de uma dragagem para escoar a água que enche aqui. Se der chuva forte, vai alagar de novo” – Germano Rorato/ND

A merendeira aposentada Vilma Conceição da Silva reclama da futura dificuldade de locomoção na região: 
“Tô tirando de onde não tenho para ajudar minha neta a ir pra aula. Está muito difícil, estamos brigando por lugar com os carros [para fazer a travessia em meio à obra]. Não tem condições” - Germano Rorato/ND

3
3

A merendeira aposentada Vilma Conceição da Silva reclama da futura dificuldade de locomoção na região:
“Tô tirando de onde não tenho para ajudar minha neta a ir pra aula. Está muito difícil, estamos brigando por lugar com os carros [para fazer a travessia em meio à obra]. Não tem condições” – Germano Rorato/ND

Parte da obra segue pendente

O suplício vai se estender um pouco mais para motoristas e população nas comunidades próximas à obra do Contorno Viário.

O engenheiro civil Valmir Antunes da Silva, presidente do Comdes (Conselho Metropolitano para o Desenvolvimento da Grande Florianópolis), acompanha obras rodoviárias no Estado desde 1974. Toda semana, o conselho avalia os serviços do contorno.

No último dia do prazo para conclusão dos trabalhos, após sucessivos anos de atrasos, era fácil visualizar que uma parte do serviço segue pendente, por exemplo, na divisa do bairro Pachecos com a Guarda do Cubatão.

“Não se cumpriu. Não foi possível concluir, como estamos presenciando. Mas os prazos, tantas vezes postergados, temos esperança de que, em agosto, poderemos transitar pela pista de rolamento do contorno”, afirmou Valmir.

Segundo Valmir, além dos acabamentos necessários, ainda há obras que não poderão ser utilizadas pela população do entorno, como passagens por cima do Contorno Viário.

Conforme o engenheiro, a parte das estruturas está concluída, mas faltam obras complementares nos viadutos e passagens superiores. A principal preocupação dele é a entrega dos complementos para que a população atravesse com total segurança sobre a via.

Tem, ainda, as obras de drenagem em andamento e os danos às vias do entorno da obra, que foram utilizadas como caminho de serviço.

“Tenho certeza que é previsto, também, a recomposição dessas vias locais. O pavimento delas, em vários pontos, está bastante danificado pelo tráfego pesado da obra, que é previsto. Não existe nada anormal, está dentro do projeto e do licenciamento. Tudo que é impacto é prevista a mitigação e a recuperação”, afirmou Valmir. O engenheiro, no entanto, disse não haver dúvidas de que a Arteris vai cumprir isso.

Questionada sobre os trechos inacabados do Contorno Viário, a Arteris não respondeu a reportagem até o fechamento desta matéria.

Valmir Antunos da Silva, presidente do Comdes, destaca que ainda há obras que não poderão ser utilizadas pela população do entorno, como passagens por cima do contorno – Foto: Germano Rorato/ND

Anos de atraso e descaso

  • 2008 – Assinatura do contrato original, com a OHL Brasil, grupo espanhol vencedor do leilão;
  • 2012 – OHL Brasil é vendida em dezembro, quando o contorno deveria ser entregue e a compradora, a Arteris, assume as obrigações previstas na concessão;
  • 2012 – A Arteris começa a construir o Contorno Viário. Depois, ocorrem sucessivos entraves e mudanças de prazos;
  • 2013 – A ANTT apresenta nova versão do traçado e a entrega é adiada para 2015;
  • 2014 – A conclusão é adiada para 2017;
  • 2017 – Duas novas alterações de prazo, primeiramente, para 2019, depois para 2020;
  • 2018 – Trabalhadores cruzam os braços por atraso nos salários e as obras ficam paradas por 78 dias. O prazo de conclusão é adiado para 2021;
  • 2019 – A Arteris rescinde o contrato com a Salini, empreiteira que fazia os serviços. A Camargo Corrêa assume a obra;
  • 2022 – A Camargo Corrêa abandona a obra. A Arteris contrata seis empresas para o projeto e adia novamente a entrega, agora para dezembro de 2023;
  • 2023 – Operários da Azevedo e Travassos, uma das seis empreiteiras, entraram em greve duas vezes para reivindicar direitos trabalhistas e o pagamento em dia dos salários. Em julho, a concessionária rompe com a Azevedo e Travassos;
  • Julho de 2023 – Arteris confirma que não entregará Contorno Viário em dezembro de 2023;
  • Outubro de 2023 – Arteris anuncia o novo prazo de entrega para julho de 2024.

Novela da construção do Contorno Viário da Grande Florianópolis se estende há mais de 12 anos – Foto: Germano Rorato/ND

Expectativa de melhora na mobilidade urbana da Grande Florianópolis

Maior obra rodoviária em andamento no Brasil, e uma das mais atrasadas, o Contorno Viário da Grande Florianópolis é um corredor que vai tirar 36 mil veículos pesados do trânsito de passagem da BR-101, amenizando os problemas de mobilidade urbana local.

O contorno tem mais de 50 quilômetros de via e corta 13 bairros em três cidades: Biguaçu, São José e Palhoça. Além disso, margeia outros três municípios: Antônio Carlos, São Pedro de Alcântara e Santo Amaro da Imperatriz.

A construção se divide em três partes: em Biguaçu, no entroncamento com a BR-101, fica o trecho norte, que tem um quilômetro. Depois, o trecho intermediário, com 43 quilômetros de extensão, até a BR-282 em Palhoça. Desse ponto, até o encontro com a BR-101 Sul, em Palhoça, são mais dez quilômetros de obra.

Obra privada, mantida com recursos do usuário da rodovia, por conta dos sucessivos atrasos, o contorno também está custando muito mais do que o previsto. No contrato original, o valor era de R$ 400 milhões.

Com a alteração do projeto, principalmente por causa da construção de um condomínio em Palhoça, autorizado pela prefeitura no meio do traçado do contorno, o custo saltou para R$ 3,9 bilhões. Quem paga tudo isso é o motorista que passa nas praças de pedágio da Arteris Litoral Sul.

Para se ter uma ideia, a tarifa básica nas cinco praças de pedágio da Arteris era de 2,70 em 2020. No mesmo ano, houve reajuste de 44%, subindo para R$ 3,90. Em 2022, novo reajuste, chegando a R$ 4,70.

Os números do Contorno Viário

  • A expectativa é tirar 36 mil veículos pesados do trânsito de passagem da BR-101;
  • São mais de 50 quilômetros de via;
  • O Contorno Viário corta 13 bairros em três cidades: Biguaçu, São José e Palhoça;
  • No contrato original o valor era de R$ 400 milhões, mas ao final o custo saltou para R$ 3,9 bilhões.
Adicionar aos favoritos o Link permanente.