Ferrovias encolhem e prejudicam transporte de grãos e combustíveis no RS

As ferrovias já foram as principais responsáveis pelo transporte de cargas no Brasil. Aos poucos, estradas e caminhões passaram a assumir essa função. Uma pesquisa divulgada pela Agência Nacional de Notícias da Indústria em dezembro de 2024 apontou que as rodovias transportam 62% das cargas no País, enquanto as ferrovias ocupam a segunda posição, com 19,1% dos carregamentos nacionais.

Ferrovia danificada pela enchente em Bento Gonçalves  | abc+



Ferrovia danificada pela enchente em Bento Gonçalves

Foto: Rodrigo Ziebell/GVG

Se o transporte de minérios e combustíveis for excluído do cálculo, as estradas passam a responder por 85% das cargas transportadas. Dados do Banco Mundial indicam que, em outros países de grande dimensão territorial e econômica, as rodovias são menos utilizadas.

Na Austrália, as estradas são responsáveis por transportar até 53% das mercadorias, na China, esse percentual é de 50%, e, nos Estados Unidos, de 32%. Enquanto isso, na Rússia, o transporte rodoviário movimenta apenas 8% das cargas.

Cenário estadual

No Rio Grande do Sul, a malha ferroviária está sob concessão desde 1997, sob responsabilidade do governo federal. O contrato tem previsão de encerramento em 2027, ou seja, 30 anos após sua assinatura. “A concessão foi mal conduzida”, avalia o presidente da Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul), Rodrigo Souza Costa.

O dirigente da entidade reitera que a responsabilidade não deveria ser do poder público. “Entendo que o dever precisaria ser da iniciativa privada”, aponta. Na visão de Costa, os problemas gerados pela concessão comprometem a competitividade do Estado. “É do interesse do Centro Oeste, por exemplo, enviar produtos para o Rio Grande do Sul. Precisamos ter o livre comércio”, completa Costa.

“Momento de pensar um novo modelo”, diz o vice-governador

Dos 3.823 quilômetros da malha ferroviária concedidos à Rumo Logística, apenas 1.680 estavam em operação antes das enchentes de maio passado. “A atual concessão é muito antiga e precisa ser repensada. O ano de 2025 é importante nesse sentido, agora é o momento de se pensar em um novo modelo”, afirma o vice-governador do Estado, Gabriel Souza (MDB).

Recentemente, Souza apresentou um projeto sobre as ferrovias gaúchas na Federasul. No entanto, apesar da iniciativa, o vice-governador, que deve ser candidato ao Piratini em 2026, reiterou que a licitação e a futura concessão não são atribuições do governo do Estado. “É de responsabilidade do governo federal”, reforça.

Atualmente, apenas 921 quilômetros estão em operação no Estado. “Temos cobrado uma solução. Após as enchentes, nenhum balanço foi apresentado e reparos não foram feitos. Estive em Brasília, na Secretaria Nacional de Transportes Ferroviários. Precisamos de investimentos à altura das necessidades do Rio Grande do Sul. Estamos entre os três Estados com maior produção de grãos no Brasil”, declara Souza.

Presidente da Frente Parlamentar das Ferrovias na Assembleia Legislativa, o deputado Felipe Camozzato (Novo), vai na mesma linha. “Para atrair investimentos privados, é fundamental ter a sinalização do Estado para o mercado”, destaca.

Camozzato salienta que as melhorias na malha ferroviária podem reduzir em até 30% o preço do frete no RS. “No entanto, para isso é preciso também de investimento público. É algo caro para implementar, mas reduz o custo a longo prazo, além de possibilitar a exploração de mais linhas”, complementa.

Condições mínimas

Segundo o vice-governador, um dos problemas da safra gaúcha ser transportada majoritariamente por caminhões é justamente o fato de encarecer o preço do frete. “Para que o transporte ferroviário tenha um papel de protagonismo, primeiro precisa ter o mínimo de condições para ser eficiente, o que hoje não é a realidade no Rio Grande do Sul”, explica Souza.

Por conta do período sem investimentos, a própria velocidade dos trens são prejudicadas. “O que temos hoje são locomotivas ultrapassadas e trens rodando a apenas 12 km/h. Após as enchentes, a situação se agravou de tal forma que não é mais possível o transporte de líquidos, como combustível, e a malha do Estado não tem mais conexão com o restante do País”, aponta.

Souza citou o exemplo da produção de plástico verde no Polo Petroquímico, onde a falta de ferrovias adequadas prejudica o transporte do etanol. Ele estima que cerca de 12 mil caminhões adicionais circulam anualmente pelas estradas gaúchas. “Apenas para a fabricação do plástico verde”, complementa.

Estudo aponta necessidades e possíveis soluções para as ferrovias do Estado

O governo do Estado, por meio do gabinete do vice-governador, encaminhou um requerimento para participar de um grupo de trabalho criado pelo governo federal e pela Rumo Logística, que detém a concessão do trecho ferroviário da Malha Sul. “Isso foi aceito apenas cinco meses após a solicitação”, relata Souza.

Ferrovias deterioradas no RS | abc+



Ferrovias deterioradas no RS

Foto: Rodrigo Ziebell/ GVG

Além disso, um estudo foi encomendado para a Portos RS, revelando dados considerados alarmantes. “Houve queda de 50% na quantidade de cargas transportadas pela ferrovia gaúcha desde 2006 e a possibilidade de uma economia de, pelo menos, 22% no custo do frete até Rio Grande, se houvesse investimentos na revitalização do modal”, destaca Souza.

O estudo também aponta a necessidade de aprimorar a operação em Cruz Alta, considerado o hub rodoferroviário do Estado, por onde passa grande parte das cargas. “Precisamos da construção de uma variante ferroviária entre Santa Maria e São Gabriel para encurtar o caminho até o Porto do Rio Grande, especialmente para escoamento da safra”, expõe Souza.

O vice-governador deixa claro que, neste momento, a prioridade é encurtar o caminho até o Porto de Rio Grande. “O estudo mostrou que há necessidade da recuperação da capacidade logística do interior do Estado até a região portuária e também a recuperação do transporte de líquidos, como etanol, produto estratégico para um futuro mais sustentável”, completa.

Linhas de turismo estão na mira

Questionado sobre um possível investimento em linhas turísticas, Souza afirma que há interesse. “Um dos casos é a Ferrovia do Trigo que, após as enchentes, foi severamente atingida. O trajeto é por onde opera o Trem dos Vales, no Vale do Taquari”, destaca. Em 2024, a temporada foi cancelada e não há previsão de retorno.

Visando solucionar parte do problema, uma proposta foi apresentada em Brasília para separar o trecho turístico da concessão, o que pode possibilitar que outros investidores realizem os reparos necessários e operem o trajeto.

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