O homem que uniu Lessa, Macalé e Chiquinho Brazão, suspeitos da morte de Marielle


Depoimentos no STF e relatório da PF mostram que encontros entre o trio começou há 24 anos, em 2000, em uma casa no Tanque, em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio. Casa de Santhiago, próximo à comunidade da Chacrinha, no Tanque, em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio
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Há pouco mais de 24 anos, na Estrada Comandante Luiz Souto, no Tanque, em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, teve início uma amizade entre os então policiais militares Ronnie Lessa e Edmílson Oliveira da Silva, o Macalé, com João Francisco Inácio Brazão, que viria a se tornar o deputado federal Chiquinho Brazão.
Segundo a Polícia Federal (PF), todos estão envolvidos com a morte de Marielle Franco e Anderson Gomes. O anfitrião dos encontros foi Jorge Santhiago José Geraldo, o Gordo.
Depoimentos prestados no Supremo Tribunal Federal (STF), relatórios da PF e a delação premiada do assassino confesso de Marielle e Anderson, o ex-policial Ronnie Lessa, mostram que os encontros entre o trio começaram na casa de Santhiago.
Para os investigadores, é a demonstração que Lessa, Macalé e Chiquinho Brazão já se conhecem de longa data. A defesa do deputado federal nega que isso represente qualquer ligação de seu cliente com o crime.
Santhiago e Rosemeri se casaram em 1984, quando Gordo tinha 21 anos.
Entre os anos de 1996 e 1997, procuraram uma área bucólica da cidade para morar. No Tanque, em uma área próxima ao que é hoje a comunidade da Chacrinha, muito verde, pássaros e passeios a cavalo faziam a diversão dos moradores da região. Até rodeios havia no local.
O novo endereço foi considerado ideal para o casal e para quem pretendia montar um criadouro de pássaros e cuidar de seus cavalos.
Entre 1999 e 2000, o policial militar Ronnie Lessa passou a visitar o amigo que conhecia desde antes de entrar para a polícia.
“Era a minha segunda casa. Eu saía para patrulhar, de viatura, e parava lá”, contou Lessa em seu depoimento no STF.
Em 2001, Santhiago e Rose compraram uma casa, um pouco mais acima. Funcionário de uma concessionária de veículos, Gordo passou também a receber no local a visita de Macalé, então lotado no 1º BPM (Estácio).
A residência serviu para receber amigos e vizinhos em encontros para falar sobre pássaros. Aos domingos, o bate-papo começava às 7h e não tinha hora para acabar. Uma mesa de sinuca era a diversão para os que não era aficionados nos passarinhos, como Lessa.
Santhiago e sua mulher foram para a região em busca de um lugar tranquilo. Próximo de sua casa morava João Francisco Inácio Brazão, já conhecido como Chiquinho. A amizade aumentou quando Gordo colocou seus 3 cavalos no haras da família Brazão, a 50 metros de onde morava.
Haras da família Brazão, atualmente, abandonado na Comandante Luiz Souto, no Tanque, Zona Oeste do Rio
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As visitas a Gordo aproximaram Macalé de Chiquinho, com quem sempre saía para andar a cavalo pela região.
Servidor da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, a partir de 2007, lotado no gabinete do deputado estadual Jorge Luís Hauat, o Jorge Babu, Gordo passou a receber Chiquinho em sua casa, nas chamadas rodas de passarinheiros.
Segundo Rosemeri, o marido tinha autorização do Ibama para comercializar as aves. Montou no local um criadouro de pássaros. Era o início de grandes rodas de conversas aos domingos. Passarinhos, bate-papos, sinuca.
“Virou uma frequência. O Macalé era passarinheiro nato. Eu me aventurava a ter um passarinho ou outro, mas meu negócio era mais beber cerveja e jogar sinuca. Lá sempre tinha sinuca e cerveja gelada. Lá, conheci os Brazão, apresentado pelo Santhiago nesse ambiente aí”, contou Ronnie Lessa, em sua delação, homologada pela Justiça.
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Em seu depoimento, na segunda-feira (19), a mulher de Santhiago, Rosemeri, disse não se recordar da presença de Domingos Brazão no local. Recorda-se de ter visto Lessa, Macalé e Chiquinho Brazão.
“Em média iam 10, 15 pessoas. A vida dele e as atividades, eu não participava. Fazia uma garrafa de café, botava água e não ficava perto. Era o local que ele (Santhiago) recebia pessoas”, conta Rosemeri, lembrando que o marido era muito ciumento e não gostava da sua presença naquele ambiente.
O interesse pelas aves levou Macalé ao local. Quando foi morto, em 2021, o ex-policial carregava 2 gaiolas de pássaros em suas mãos.
De acordo com a PF e a delação de Lessa, Macalé foi o responsável por levar a Ronnie Lessa a proposta de matar Marielle Franco.
Os mandantes seriam os irmãos, Domingos e Chiquinho Brazão. No celular de Macalé, a foto de uma reportagem de uma revista envolvendo o conselheiro Domingos Brazão sobre a morte da vereadora chamou a atenção dos investigadores.
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As defesas dos irmãos negam envolvimento com o crime ou com Macalé ou Lessa.
“Não sei dizer a frequência e a amizade entre eles. Sei que eram amigos. Do Macalé eu lembro bem. Era uma figura. Falava alto e o meu cachorro, Zeus, não gostava dele. Ele sempre implicava com o cachorro. Até o dia que um dia o animal fugiu e foi uma correria danada”, recorda-se Rose.
Santhiago dividia seu tempo entre os passarinhos e a Alerj. Ele nunca foi preso. O seu chefe na assembleia, o deputado Jorge Babu, foi citado na CPI das Milícias, como miliciano de Guaratiba, Zona Oeste da cidade, e acusado pelo Ministério Público estadual.
Em 2006, Rosemeri se formou em Direito. Antes da festa, Santhiago avisou à mulher que convidaria alguns amigos, segundo Rose, para a festa de formatura. Entre eles estava Ronnie Lessa.
“Santhiago tinha muitos amigos policiais. O Ronnie Lessa foi na festa, vi no dia e acabou. Um ano e 2 meses depois acabou. Ele (Santhiago) faleceu”, contou Rose.
Santhiago teve um ataque cardíaco aos 45 anos, em 2008. Após a morte do amigo, Lessa conta que encontrou Chiquinho Brazão apenas uma vez em um torneio de futebol no interior da comunidade Gardênia Azul, na Zona Oeste. O local, na ocasião, era dominado por uma milícia.
Já Domingos, Lessa disse que encontrou duas vezes, sendo uma numa pizzaria e outra em um restaurante. Depois, segundo Lessa, só voltaram a se encontrar para ele ouvir a proposta de assassinar a vereadora Marielle Franco.
Atualmente, toda a região de Jacarepaguá é alvo de disputa entre milicianos e traficantes do Comando Vermelho. Barricadas e homens armados estão nos acessos à localidade. Próximo à casa que era de Santhiago fica o haras da família Brazão, que está abandonado. A residência fica a alguns metros de uma barricada montada por traficantes de drogas.
Ronnie Lessa, assassino confesso de Marielle Franco, está preso em Tremembé, no interior de SP
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