“Essa é uma dor que as pessoas gordas levam a vida toda e são muitas vezes silenciadas. A importância de ter um dia estabelecido, traz dignidade e a sensação de pertencimento. É sentir que suas dores começaram a ser ouvidas”.
Foi estudando sobre violências de gênero em suas diferentes formas, que a advogada Taís Prass se deparou com uma lacuna na sociedade e, na Justiça, sobre um assunto até então pouco debatido: a gordofobia.
A tese de doutorado virou lei municipal em Taquara, que instituiu o Dia Municipal de Combate à Gordofobia em seu calendário – comemorado em 10 de setembro. A iniciativa é pioneira no Rio Grande do Sul e é considerada uma grande aliada no enfrentamento da discriminação das corporalidades gordas.
Foto: Arquivo Pessoal
Violência invisível
De acordo com dados do IBGE, mais de 50% da população é considerada gorda, ou seja, mais da metade vem sendo invisibilizada quanto a políticas públicas e sociais. Ao se deparar com inúmeros casos de gordofobia em entrevistas ainda durante sua pesquisa do mestrado, a taquarense Taís Prass, 32 anos, percebeu que essa era mais uma violência frequente, sofrida principalmente pelas mulheres.
“Eu me identifiquei com essas mulheres, me aprofundei nos casos e percebi uma deficiência nesse estudo. Encontrei muitas dificuldades por ser um tema novo no Brasil, com poucas pesquisas”, explica.
VÍDEO: Estudante cria bonecos em busca de maior representatividade para crianças com deficiência
“Ninguém vai te querer desse jeito”
Essa foi uma das frases mais ditas pelas entrevistadas, mulheres humilhadas, violentadas fisicamente e sobreviventes de tentativas de feminicídio.
“Recebi até o relato de uma mulher que o namorado a obrigava a fazer dez repetições de abdominais. Caso não fizesse, recebia mordidas e agressões”, conta. Dessa forma, foi percebido o quanto o corpo gordo estava implicado na violência, também psicológica, quando as mulheres são proibidas de comer ou obrigadas a fazer exercícios.
LEIA TAMBÉM: Feriadão violento: 9 mulheres são vítimas de feminicídio no RS em intervalo de 4 dias
Virou lei em Taquara
O projeto teve como base a tese de doutorado de Taís, egressa da Universidade Feevale. Além da confecção de uma cartilha sobre o assunto, um dos produtos práticos apresentados no estudo era a proposta da criação da lei.
A ideia então foi levada à Câmara de Vereadores da cidade do Vale do Paranhana, sendo a primeira proposta legislativa do Rio Grande do Sul voltada ao enfrentamento da gordofobia.
A causa foi abraçada pela vereadora Mônica Facio (PT) e aprovada por unanimidade entre os vereadores.
“Foi a partir da luta pelo fim da violência contra a mulher que conheci o trabalho da Taís, que veio até mim para apresentar essa nova pauta urgente e necessária. Um tema ainda invisibilizado, mas que precisa ser enfrentado com seriedade e responsabilidade. Lutar contra a gordofobia é também lutar por dignidade, por respeito, por equidade”, resume Mônica.
CLIQUE AQUI PARA ENTRAR NA COMUNIDADE DO ABCMAIS NO WHATSAPP
A Lei 7.052/2025 foi rapidamente sancionada pela prefeita de Taquara, Sirlei Terezinha. “Combater toda e qualquer forma de discriminação é um dever do poder público. Ter instrumentos que permitam esse enfrentamento, como a lei que cria o Dia Municipal de Combate à Gordofobia em Taquara, é extremamente importante. O texto da lei será trabalhado também nas escolas, com atividades que visem a formação cidadã e consciente dos nossos alunos, ampliado para as repartições públicas municipais”, comenta.
Para desenvolver essa proposta legislativa, foram realizadas análises detalhadas de leis brasileiras e espanholas semelhantes.
“Durante o doutorado-sanduíche, realizado na Universidade Autônoma de Barcelona por um período de 10 meses, fiz uma imersão nas políticas espanholas, participando de formações voltadas ao combate à gordofobia promovidas por políticas públicas locais”, conta Taís, que espera que a lei seja impulso para outros municípios, que vejam como ela impacta sua população.
Ainda não é crime
A gordofobia não se enquadra como um crime, mas tramita na Câmara Federal desde 2022 um projeto de lei que visa a equiparar com as penalidades enquanto injuria racial. “Há uma luta no Brasil para que isso ocorra. Mesmo assim, perante as leis, hoje a gordofobia se enquadra em diversos danos morais, não passando impune”, explica a advogada.
CONFIRA: Fumaça branca ou preta? Saiba quando será o conclave, processo que definirá novo papa
Promover debates em Taquara
O principal objetivo da lei aprovada em Taquara é conscientizar a população sobre os impactos da gordofobia na sociedade. Isso ocorrerá através do fomento de ações públicas de reflexão e enfrentamento da gordofobia nos mais diversos espaços.
A lei prevê a realização de debates, palestras, oficinas e atividades educativas nas escolas, divulgação de materiais e capacitação de profissionais da saúde, da educação, da assistência social e da segurança pública que contribuam para a desconstrução de estereótipos relacionados à gordura corporal.