Tarifaço: Oportunidade ou ameaça para o calçado brasileiro

No começo do mês, a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) divulgou um comunicado em que analisava o tarifaço de Donald Trump – tarifas aplicadas pelos Estados Unidos aos produtos importados da China somam 145% -, por dois pontos distintos.

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Tarifaço: Oportunidade ou ameaça para o calçado brasileiro

Foto: Igor Müller/GES-Especial

Por um lado, segundo a entidade de classe, a tarifa adicional de 10% para calçados brasileiros (passando para 27,3%) pode abrir uma janela de oportunidades diante do imposto maior anunciado para concorrentes asiáticos. Já por outro, uma tarifa elevada para os grandes produtores calçadistas mundiais também pode provocar uma inundação de calçados daquele continente em mercados importantes para o Brasil e até mesmo no mercado doméstico nacional.

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Foto: GES

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Movimento

O presidente-executivo da Abicalçados, Haroldo Ferreira, aponta que existe um movimento de “desova” dos produtos chineses em mercados importantes para o calçado brasileiro no exterior, principalmente na América Latina. “Importante ressaltar que a mudança do imposto de importação para o calçado chinês nos Estados Unidos acontece quase de forma concomitante com a diminuição das tarifas de importação na Argentina, de 35% para 20% – tema de recente de reportagem nos jornais do Grupo Sinos. Podemos antever dificuldades no mercado argentino, nosso segundo principal destino internacional, já no curto prazo, em função da concorrência com produtos chineses”, explica o dirigente.

Ele acrescenta que o próprio mercado doméstico brasileiro também deve receber mais calçados chineses. “Como forma de pulverização das exportações do país que anteriormente tinham como destino o mercado norte-americano”, observa.

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Foto: GES

Brasil como alternativa para compradores americanos

No campo das oportunidades para o calçado brasileiro diante das sobretaxas aos produtos chineses, o executivo da Abicalçados salienta que os compradores americanos já têm buscado o Brasil como alternativa. “Sentimos este movimento nas feiras internacionais da Itália no início do ano. Os compradores norte-americanos precisarão buscar alternativas fora da China e o Brasil, como o principal produtor de calçados do Ocidente, desponta como um mercado importante”, destaca Ferreira.

Christian Thomas, diretor da empresa hamburguense CT Shoe Solutions e que trabalha com desenvolvimento de produto, comercialização e produção de calçados para o mercado internacional – atua há 45 anos com exportação -, conta que há duas semanas existe um movimento de compradores estrangeiros interessados em demandar a produção de seus calçados no Brasil. “Da mesma maneira como aconteceu na pandemia da Covid-19, com lockdown na China, todos os clientes voltaram para o Brasil. Aconteceu isso da mesma forma, todo mundo veio para cá. Estão ligando direto para cá, fazendo cotações e vendo programação de fábrica para ver se existe espaço”, conta.

Thomas acredita que esta movimentação seguirá nas próximas semanas porque as empresas americanas na China “estão estacionando as suas produções”. “Estão parando as produções, porque tudo que embarcar a partir de agora vai chegar no mercado americano com uma taxa extremamente alta. Então, a opção é produzir aqui no Brasil e mesmo que o nosso sapato fique mais caro que o deles, no preço FOB (free on board, valor de uma mercadoria sem considerar os custos de frete e seguro), o produto brasileiro chega com uma vantagem lá em função das taxas”, cita.

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Nem todas as fábricas estão preparadas para exportar

Por outro lado, Thomas acredita que o Brasil não conseguirá absorver toda a demanda dos compradores internacionais. “Vamos conseguir fazer alguns destes sapatos, não todos. Nós não temos mais tantas fábricas capacitadas para trabalhar com private label (produção para terceiros). Temos um cluster gigante, um supply chain (cadeia de suprimentos) muito legal, mas nem todas as fábricas estão preparadaspara exportação”, analisa.

Márcio Jung, conselheiro do The South Base, movimento que trabalha as oportunidades para o calçado brasileiro nos EUA, o maior mercado comprador private label do mundo, considera que, em parte, os compradores americanos de calçados podem buscar o Brasil como uma alternativa à China. “Sim, o Brasil vai ser parte da solução, mas uma parte pequena da solução. A China (maior fornecedora de calçados para o mercado americano) sozinha exportou US$ 10,28 bilhões em 2024 para os Estados Unidos. Já o Brasil (10º maior fornecedor americano) vendeu US$ 250 milhões para os estadunidenses, segundo a Associação dos Distribuidores e Varejistas de Calçados dos EUA. Então, por mais que essa demanda viesse da China para cá, o que poderíamos fazer? Aumentar em quanto nossa produção? Dobraremos para US$ 500 milhões? O que não significa quase nada, não daria nem 5% do que a China exporta para lá.”

Calçados femininos de couro

Jung conta que o Brasil já está sendo procurado pelos compradores internacionais, principalmente para a produção de calçados femininos de couro. “A procura pela produção no Brasil vai aumentar nos próximos dias. Já tem gente lá dos Estados Unidos vindo com sapatos e com modelos para se começar a produzir aqui nos próximos 60 dias”, pontua. No entanto, ele acredita que parte da produção de calçados esportivos da China deve migrar para outros grandes produtores asiáticos (Vietnã, Indonésia e Camboja).

Importação de partes de calçados

Outro movimento que Jung acredita que possa acontecer é o aumento da importação de calçados em partes, principalmente, da China. “Por exemplo, pode acontecer de marcas consolidadas no Brasil comprarem das fábricas chinesas o cabedal e o solado prontos. O que será feito aqui é a montagem. Ou seja, vai ser uma marca brasileira praticamente Made in China”, alerta.

Exportação de marca própria

Diante do tarifaço de Trump, o conselheiro do The South Base observa que a China pode “atacar” alguns mercados que eles “atacam menos”. “Acredito que eles vão vislumbrar mercados como a América do Sul. Isso poderá prejudicar as nossas exportações de marcas próprias. Embora eu sempre digo que não vão atacar nossos grandes fabricantes de calçados que exportam. Até porque os consumidores vão às lojas para comprar estas marcas. Não é qualquer marca desconhecida que vai desbancar elas”, completa.

Total anual de exportação

• 2024 – As exportações brasileiras de calçados somaram 97,45 milhões de pares e US$ 976 milhões, queda de 17,7% em volume e de 16,4% em receita em relação a 2023.

• 2023 – As exportações somaram 118,34 milhões de pares e US$ 1,16 bilhão, queda de 16,6% em volume e de 10,8% em receita em relação a 2022.

• 2022 – As exportações somaram 141,9 milhões de pares e US$ 1,3 bilhão. Os números são superiores tanto em volume (14,8%) quanto em receita (45,5%) em relação a 2021.

• 2021 – As exportações somaram 123,6 milhões de pares e US$ 900,3 milhões. Os números são superiores tanto em volume (32%) quanto em receita (36,8%) em relação a 2020.

Total anual de importação

• 2024 – As importações de calçados no Brasil alcançaram 35,8 milhões de pares e US$ 477,72 milhões, altas  de 26,3% em volume e 7,9% em receita, respectivamente, ante 2023.

• 2023 – As importações de calçados alcançaram 28,36 milhões de pares e US$ 442,73 milhões, altas de 9,8% em volume e 20,6% em receita ante 2022.

• 2022 – As importações de calçados alcançaram 25,8 milhões de pares e US$ 367 milhões, altas de 13,7% em volume e 28% em receita ante 2021.

• 2021 – As importações de calçados alcançaram 22,72 milhões de pares e US$ 287 milhões, incremento de 7,5% em volume e queda de 4,3% em receita ante 2020.

Preços praticados e custos logísticos

O economista-chefe da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), Giovani Baggio, lembra que os preços praticados pelo Brasil serão inferiores aos da China. “Outros países asiáticos também foram taxados, mas houve uma pausa por 90 dias anunciada pelo governo dos EUA. É um período de indefinição, o que contribui para incerteza”, cita.

Em relação aos custos logísticos, Baggio concorda que para transportar mercadorias fabricadas no Brasil para os Estados Unidos “é mais fácil e perto” em comparação com a China. “Mas, às vezes, o custo logístico acaba sendo até maior. O combustível é mais caro, estradas mais precárias, uma série de fatores”, aponta o economista.

Importações em 2024

As importações de calçados no Brasil não param de crescer ano após ano (veja números na tabela ao lado). Em 2024, as importações alcançaram 35,8 milhões de pares e US$ 477,72 milhões, incrementos de 26,3% e 7,9%, respectivamente, ante 2023, segundo dados divulgados pela Abicalçados.

As principais origens das importações seguiram sendo os países asiáticos Vietnã, China e Indonésia, que responderam por mais de 80% dos calçados que entraram no Brasil ao longo de 2024. No acumulado do ano passado, as importações de calçados vietnamitas somaram 11,9 milhões de pares e US$ 224 milhões, altas tanto em volume (25%) quanto em receita (5,2%) em relação a 2023.

Em 2024, as importações de calçados da China somaram 9,8 milhões de pares e US$ 40,2 milhões, alta de 4% em volume e queda de 16% em receita em relação a 2023. O preço médio ficou em US$ 4,06, queda de 19% ante 2023, um indicativo de preços artificialmente abaixo dos praticados no mercado (dumping).

No acumulado do ano passado, as importações da Indonésia registraram 6,8 milhões de pares e US$ 110,26 milhões, altas tanto em pares (52%) quanto em receita (26%) em relação a 2023.

Além do aumento das importações, que tiram espaço dos calçados brasileiros nas prateleiras das lojas, preocupam a Abicalçados os novos entrantes no mercado das importações. Em 2024, apareceram players asiáticos como Camboja, Índia, Mianmar e Bangladesh, que juntos exportaram para o Brasil mais de 2,5 milhões de pares, 56% mais do que em 2023. “Existe uma mudança na produção intra-Ásia em busca de menores custos com mão de obra. E, no caso das exportações para o Brasil, também para driblar a tarifa de antidumping aplicada contra o calçado chinês (hoje em US$ 10,22 por par, além da tarifa de importação de 35%)”, explica o presidente-executivo da Abicalçados, Haroldo Ferreira.

Exportações em 2024

Em 2024, as exportações brasileiras de calçados somaram 97,45 milhões de pares e US$ 976 milhões, quedas tanto em volume (-17,7%) quanto em receita (-16,4%) em relação a 2023, conforme a Abicalçados.

O principal destino dos embarques brasileiros ao longo de 2024 foi os Estados Unidos, para onde foram embarcados 10,28 milhões de pares por US$ 216,3 milhões, quedas tanto em volume (-3,3%) quanto em receita (-4,8%) em relação a 2023. Na sequência, aparecem a Argentina (12,6 milhões de pares e US$ 201,54 milhões, quedas de 10,5% e 10%, respectivamente) e Paraguai (8,34 milhões de pares e US$ 42,7 milhões, quedas de 20,6% e 13,5%, respectivamente).

2025: importação e exportação no trimestre

O ano 2025 começa de forma positiva na exportação de calçados brasileiros. De acordo com a Abicalçados, no primeiro trimestre deste ano foram embarcados 31,55 milhões de pares, que resultaram em US$ 269,8 milhões, altas de 14,1% e de 6,5%, respectivamente, ante o mesmo período de 2024.

A Argentina ultrapassou os Estados Unidos como o principal destino do calçado brasileiro no exterior. No período, os argentinos importaram 3,58 milhões de pares brasileiros por US$ 60,88 milhões, altas de 79,5% e de 47,4%, respectivamente, na comparação com o mesmo período do ano passado. No trimestre, os estadunidenses importaram 2,93 milhões de pares brasileiros por US$ 54,7 milhões, incrementos de 10,2% e de 0,3%, respectivamente, no comparativo com o mesmo intervalo de 2024.

Já com relação à importação, os números preocupam. No primeiro trimestre de 2025 entraram no Brasil 12,9 milhões de pares por US$ 142,33 milhões, incrementos tanto em volume (25,1%) quanto em receita (13,4%) em relação a igual intervalo de 2024. Nesse mesmo período, as importações de calçados da China somaram 5,2 milhões de pares, 18% mais do que no intervalo correspondente de 2024.

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