Busca por inseminação caseira cresce 80%, mas especialistas alertam para riscos de saúde e insegurança jurídica

Embora a FIV seja o procedimento mais conhecido no campo da reprodução assistida, cresce o número de pessoas que recorrem à chamada “inseminação caseira” – iStock/iLexx

No Brasil, cerca de 40 mil ciclos de fertilização in vitro (FIV) são realizados anualmente, segundo a Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA).

Embora a FIV seja o procedimento mais conhecido no campo da reprodução assistida, cresce de forma silenciosa e preocupante o número de pessoas que recorrem à chamada “inseminação caseira” — prática informal realizada fora de clínicas especializadas, muitas vezes com o auxílio de kits comprados pela internet ou com doadores encontrados em redes sociais.

Segundo levantamento de plataformas especializadas em saúde reprodutiva e grupos de apoio on-line, a busca por informações e relatos sobre inseminação caseira aumentou cerca de 80% nos últimos dois anos. “Esse crescimento é preocupante porque indica que mais pessoas estão considerando métodos informais, sem o suporte médico adequado”, afirma o Dr. Vinicius Bassega, ginecologista e obstetra especializado em reprodução assistida.

O fator econômico é um dos principais impulsionadores. Tratamentos de reprodução assistida podem variar de R$ 4 mil a R$ 30 mil, dependendo da técnica utilizada e da necessidade de medicamentos e exames complementares. “Sem dúvida, o alto custo empurra muitas pessoas a buscar alternativas mais baratas”, comenta o especialista.

Porém, ele alerta que a decisão, muitas vezes motivada por questões financeiras, pode expor casais e pessoas solteiras a riscos severos. “Há uma falsa sensação de controle e segurança na inseminação caseira. O que não se leva em conta são as complicações que surgem pela ausência de triagem adequada do doador e de um ambiente estéril”, destaca.

Comunidade LGBTQIAPN+ e a busca por autonomia

Além da questão financeira, fatores sociais também influenciam o fenômeno. Casais homoafetivos e mulheres que optam pela maternidade solo estão entre os principais grupos que buscam alternativas informais. “Infelizmente, ainda existe preconceito e falta de acolhimento em algumas clínicas, o que faz com que muitas pessoas da comunidade LGBTQIAPN+ prefiram evitar o ambiente médico tradicional”, afirma o Dr. Bassega.

Apesar das redes sociais celebrarem relatos positivos, a romantização do processo mascara os perigos. Uma pesquisa do Pew Research Center revelou que 61% dos jovens adultos de 18 a 29 anos nos EUA buscam informações médicas em redes sociais antes de consultar um profissional da saúde — um comportamento que também se observa no Brasil. “Muitos casais compartilham sucessos, mas raramente falam sobre os riscos ou sobre os processos legais mal resolvidos que surgem depois”, reforça o especialista.

Riscos à saúde e à segurança jurídica

A inseminação feita fora de clínicas regulamentadas abre espaço para uma série de problemas. A começar pelos riscos de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), como HIV, sífilis, hepatites B e C, gonorreia e clamídia. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que mais de 1 milhão de ISTs são adquiridas diariamente em todo o mundo.

“Sem o acompanhamento médico, não há garantias de que o doador passou pelos testes necessários para eliminar o risco de ISTs, o que coloca em risco a saúde da gestante e do bebê”, alerta o Dr. Vinicius. Outro problema grave é o uso inadequado de instrumentos como seringas e cateteres não esterilizados, que podem causar lesões e inflamações no trato reprodutivo.

No campo jurídico, a prática também é frágil. O Conselho Federal de Medicina determina que as doações de gametas devem ser anônimas e realizadas exclusivamente por clínicas especializadas. “Sem o respaldo legal e documental de uma clínica, casais homoafetivos, por exemplo, podem enfrentar dificuldades para registrar a dupla maternidade ou paternidade sem judicialização”, afirma Bassega. Além disso, contratos informais entre doadores e receptoras podem ser facilmente contestados em processos de paternidade ou pedidos de pensão alimentícia.

Alternativas mais seguras e o papel das instituições

Apesar das dificuldades financeiras, há alternativas mais seguras para quem busca realizar o sonho da parentalidade. “Existem programas de doação de óvulos que tornam os tratamentos de reprodução assistida mais acessíveis”explica o especialista.

Segundo a SBRA, cerca de 45% dos procedimentos de reprodução assistida no Brasil contam com algum tipo de subsídio ou desconto. Além disso, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece serviços gratuitos de FIV em centros universitários e hospitais públicos, embora com longas filas de espera.

“Buscar um profissional da área, mesmo que para uma primeira orientação, pode ajudar o casal a encontrar soluções mais seguras e evitar riscos que, muitas vezes, só aparecem quando já é tarde”, conclui o Dr. Vinicius.

O aumento da inseminação caseira, aliado à falta de regulamentação específica no país, sinaliza que a discussão sobre reprodução assistida precisa avançar não apenas na saúde pública, mas também no campo jurídico e social.

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