Imagine permanecer acorrentado e mantido sob tortura? O período correspondente a cerca de 10 horas pareceu uma eternidade para o trabalhador de 49 anos alvo de extrema violência praticada pelo próprio chefe em Canoas.
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Foto: POLÍCIA CIVIL/REPRODUÇÃO
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Internado e à espera de um novo procedimento cirúrgico, já que terá que amputar o resto do dedo decepado, o homem relata o drama que viveu no cárcere mantido pelo agressor, antes conhecido como seu empregador.
A vítima diz lembrar de todo o sofrimento que passou durante o período em que permaneceu preso. Somados aos ferimentos, está com cicatrizes psicológicas profundas: o trauma, ele afirma, é recente.
“A dor de arrancar um pedaço do dedo com o alicate foi horrível. Pior ainda foi que tive que ver ele rindo com o meu dedo arrancado na mão. Acho que ninguém deveria ter que passar por isso”, lamenta.
O trabalhador também confirma que as sessões de tortura com choques e água quente foram agonizantes. Isso porque a voltagem era alta e o líquido estava fervendo ao ser derramada sobre a pele. “Tomei marteladas, e não eram ‘choquezinhos’ que ele estava me dando”, explica.
Toda ação era filmada e o chefe se “divertia” durante as sessões de tortura. “Eu vi o quanto ele [agressor] se divertia, e tinha muito medo de não conseguir mais sair dali, mas eu consegui e estou vivo para contar a história”, diz.
O trabalhador recebeu pelo WhatsApp vídeos gravados com as sessões de tortura a que foi submetido na empresa de sucata. Assistiu incrédulo a dois deles, mas não consegui ver os outros. “Não quero ver mais nada. Acho que já vi o suficiente. Só queria esquecer tudo isso”, lamenta.
A vítima chegou a pensar que não sairia vivo do local, mas escapou e rompeu as correntes que o mantinham preso com o mesmo instrumento usado para cortar o dedo. O alicate de pressão permanece como uma dolorosa memória. Sobre o chefe, desabafa: “Soube que ele está preso e espero que continue.”
Procedimento
Por medo de ser encontrado, o trabalhador deixou Canoas com a família e, desde então, a situação não melhorou. Em função de uma infecção, deverá passar por novo procedimento cirúrgico para amputar mais uma parte do dedo. “Tá muito feia a coisa para o meu lado”, desabafa. “Agora que piorou, disseram que vão ter que operar de novo, então estou aguardando.”
A operação, contudo, ainda não tem data para ocorrer. “Pelo menos consegui um quarto e estou aguardando, porque os antibióticos não estavam mais fazendo efeito e, mesmo com a morfina, ainda sinto dor o tempo todo”, conta.
Dificuldade
A vítima saiu de Canoas com a mulher e quatro crianças, o que também agravou a situação financeira da família. Isso porque a mulher também teve que deixar o emprego na cidade. “A gente não contou onde está nem para os parentes, porque o receio é muito grande que alguma coisa possa acontecer”, salienta. “Eu torço para que isso tenha acabado, mas a gente nunca sabe.”
Segundo a esposa Clarice Silva da Silva, qualquer ajuda, neste momento, seria de grande utilidade. Ela coloca à disposição o Pix 001.650.570-09 (CPF) para quem puder colaborar com qualquer valor.
“Tivemos que largar tudo e hoje a situação é muito difícil”, ela confirma. “Toda a ajuda é bem-vinda, porque agora estamos com nada. O dinheiro acabou, mas não vamos mais voltar para Canoas.”
Entenda o crime
Ao se apresentar para trabalhar no dia 22 de março, o homem foi dominado pelo próprio chefe no ferro-velho onde trabalhava, no Centro de Canoas.
A partir de então, o empregador o agrediu com uma furadeira, martelo, choques elétricos e o obrigou a cortar o próprio dedo. A violência durou mais de dez horas, segundo a Polícia, até a vítima conseguir escapar e pedir ajuda.
O caso veio à tona na última quinta-feira (27), quando agentes da 1ª Delegacia de Polícia prenderam o dono do ferro-velho, apontado como o responsável pelo cárcere e por torturar a vítima.
Segundo o delegado Marco Guns, que conduz a investigação, o homem acabou torturado porque o patrão imaginava que ele havia furtado uma soma em dinheiro da sucata, contudo nenhum furto ficou comprovado.
“Ele [o suspeito] pensava que estava sendo roubado, mas nada justifica tamanha raiva contra outro ser humano”, disse. Além da furadeira e do alicate usado para cortar o dedo, a Polícia Civil apontou que a tortura incluiu maçarico e água fervente largada nas costas da vítima.
“No local, foram encontrados os instrumentos usados no crime, além de uma arma de fogo, tipo garrucha, usada para ameaçar a vítima.”