Quando o ar era luxo

Lembro que o verão de 1971 não foi mole. Nem tanto pelas altas temperaturas, que se comparadas às de hoje, parecem piada. Não há dúvida epidérmica de que o aquecimento global é real. O que contava mesmo então, eram os conteúdos que tínhamos de entender, assimilar e, na pior das hipóteses, decorar. Em Química, Física, Matemática, Biologia, Inglês e Português. O que contava mesmo era o estresse oriundo da ansiedade que nem tinha esse nome na ocasião: os médicos falavam em fadiga.

O que contava mesmo era se você tinha memória mecânica, auditiva ou fotográfica. Alguns colegas escreviam tudo que precisavam dominar para enfrentar o vestibular na mais exclusiva universidade da capital, em que apenas 2.700 candidatos, dentre dezenas de milhares, seriam aprovados. Outros, como eu, liam todas as páginas em voz alta, porque haviam se percebido com apurado ouvido.

Os amigos que já contavam com os benefícios de um ar-condicionado, certamente levariam vantagem. Quem não tinha, se contentava com um ventilador de mesa. Havia também o centenário läpchen (dialeto alemão), um paninho umedecido que diminuía a sensação térmica quando em contato com a pele. O mesmo que se aplicava sobre a testa para diminuir a febre.

Na sala ao lado uma já popular tevê em preto e branco nos atraía para o pecado. O pecado era usufruir dos enlatados seriados americanos, deixando de lado a quermesse dos livros. Fomos todos surpreendidos com uma dura e subestimada prova de conhecimentos gerais, que envolvia História, Geografia e trivialidades. Me classifiquei em 1.100. Não tínhamos sequer um ar-condicionado.

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