Do Jardim Miriam à Finlândia: A trajetória de Matheus Oliveira, o designer de games que saiu da quebrada para o mundo

Superar as barreiras impostas pela desigualdade e os desafios de crescer na periferia foram etapas marcantes na trajetória de Matheus Oliveira. Hoje, trabalhando como designer de games e Senior Concept Artist [rtista de Conceito Sênior] na Finlândia, ele utiliza referências de suas vivências no Jardim Miriam em criações que alcançam o mercado global. Em sua caminhada, enfrentou o desafio de “fazer duas vezes melhor”, enquanto carregava as marcas de uma história coletiva marcada por preconceitos, traumas e desigualdades estruturais.

Matheus Oliveira: Da periferia a palestras internacionais sobre games

Paixão pelo desenho

A paixão de Matheus por desenhar começou ainda na infância, inspirada pelo primo mais velho, Fernando. 

“A gente assistia clipes na MTV, desenhos, seriados… Foi o Fernando que me apresentou ao universo da cultura pop”, relembra. 

Ele cresceu consumindo intensamente TV, animes, quadrinhos e desenhos animados. Fernando, que também desenhava, foi o responsável por despertar seu interesse pela arte, ensinando-o a criar desenhos icônicos como Goku, Naruto e outros personagens populares.

Com o tempo, o talento de Matheus chamou a atenção da família, que admirava suas criações.

 “Eu achava incrível. Além de desenhar Dragon Ball e Yu-Gi-Oh!, comecei a desenhar os personagens do Gorillaz e até vendia cópias na escola por dez ou quinze centavos”, conta.

Matheus Oliveira: Da periferia a palestras internacionais sobre games

No entanto, transformar esse hobby em profissão parecia, no início, um plano distante. Entre 2012 e 2013, o acesso a informações no mundo artístico era um desafio por si só. Grande parte do conteúdo estava disponível apenas em inglês, o que já representava um obstáculo para jovens de origens perifericas, na época. 

“Muitas vezes, a gente nem sabe por onde começar. O inglês era uma grande barreira, e para quem vem da periferia, manter um sonho como esse era extremamente difícil”, explica Matheus.

A dificuldade não parava por aí. A falta de equipamentos e os altos custos dos materiais e cursos também tornavam o caminho mais longo. 

“Se desenvolver custa caro. Você precisa aprender inglês, e muitas vezes não temos equipamentos ou materiais, que são extremamente elitistas. Tem cursos que chegam a custar nove mil reais. Para quem vem de onde eu vim, é muito difícil pensar que isso é possível”, relata.

Apesar de todas as barreiras, Matheus encontrou maneiras de hackear o sistema. Participando de fóruns online, ele buscava informações com colegas, perguntando o que eles aprenderam e como aplicavam as técnicas. Foi assim, aos poucos, que ele foi se desenvolvendo e aperfeiçoando suas habilidades.

Hoje, Matheus integra a equipe da Supercell, uma das maiores produtoras de games do mundo, e enxerga sua trajetória como mais do que a realização de um sonho. Para ele, levar suas vivências e raízes em projetos globais é também uma missão.

 “Foi através da forma como falo das minhas origens e raízes que consegui um emprego na Supercell. A forma como me orgulho da minha quebrada e como expresso isso abriu essas portas para mim”, afirma.

A história de Matheus é um exemplo inspirador de que, mesmo com as adversidades, é possível transformar talento e determinação em conquistas que atravessam fronteiras e levam a periferia para o mundo.

Matheus Oliveira: Da periferia a palestras internacionais sobre games

De projetos sociais ao mercado criativo

Vir de uma família pobre e sem acesso ao mercado criativo foi um grande desafio para Matheus Oliveira. Na adolescência, ele encontrou suas primeiras oportunidades de explorar o universo artístico por meio de projetos sociais. No Projeto Guri, participou de aulas de música erudita, e, no programa Escola da Família, teve a chance de aprender mangá.

Apesar de não ter dinheiro para cursos de desenho ou materiais adequados, ele sempre contou com o incentivo dos pais, que, mesmo enfrentando dificuldades, apoiaram tanto ele quanto o irmão. Esse apoio, segundo Matheus, fez toda a diferença. Aos 15 anos, começou a trabalhar como jovem aprendiz em uma seguradora. Naquele momento, o sonho de se tornar desenhista parecia distante. Sem conhecimento suficiente, ele via a profissão como algo fora de sua realidade e difícil de alcançar.

O trabalho, repleto de tarefas burocráticas, como planilhas e relatórios, o deixava entediado. Mas foi nesse ambiente que a arte voltou a fazer parte de sua vida. Durante reuniões, Matheus começou a fazer caricaturas das pessoas. Foi nesse momento que a vontade de desenhar ressurgiu. Ao notar seu talento, um colega de trabalho e amigo, Adriano Fusaro, viu potencial em seus desenhos e o incentivou.

“Ele disse que eu deveria trabalhar com desenho e me indicou para um amigo que tinha uma estamparia. Foi assim que vendi meu primeiro desenho e ganhei R$ 60”, lembra, orgulhoso.

Na mesma época, empolgado com a possibilidade de ganhar dinheiro com seus desenhos, Matheus começou a buscar novas referências. Foi através de um episódio do Nerdcast, que destacava Hiro Kawahara, conhecido por suas artes nas bandejas do McDonald’s, que ele expandiu seus horizontes para o mercado criativo e se motivou a investir na carreira.
Comprou sua primeira mesa digitalizadora e começou a participar de grupos online. Foi dessa forma que passou a realizar trabalhos como freelancer e a se especializar cada vez mais.

Projeto pessoal que que mistura cultura pop com periferia 

Através de um game em desenvolvimento, Matheus está utilizando suas vivências pessoais e a cultura pop dos anos 1990 como inspiração para criar um jogo único que retrata a periferia onde nasceu e cresceu. O projeto pessoal, chamado Robo, presta homenagem à cultura pop da década de 90, incorporando referências de Pokémon, Digimon e elementos de sua vida na divisa entre Diadema e Jardim Miriam.

“Por exemplo, tem o Bar da Leninha, que era um bar na esquina da minha casa. Dentro desse bar, coloquei um Tim Maia, porque são coisas que gosto de escutar e que ouvia muito com a minha família no Brasil”, explica o artista.

Matheus destaca que esse projeto é um retrato completo de sua vida, misturando memórias, gostos e referências culturais. Foi justamente essa capacidade de transformar suas origens e raízes em arte que abriu portas para ele no mercado internacional.

“Foi através da forma como falo das minhas origens e raízes que consegui um emprego na Supercell, por exemplo. A forma como me orgulho da minha quebrada, como expresso isso e como me emociono falando das minhas origens, fez com que eu fosse convidado para trabalhar na empresa e realizar algumas palestras sobre minha área de atuação”, conta.


Uma jornada que começa nas ruas da periferia paulistana e se transforma em projetos globais.

Mesmo sem acesso a muitos recursos, o artista encontrou na vivência familiar, na escola e no incentivo de professores e familiares as bases para enxergar o mundo de forma diferente. “Apesar de não ter acesso a muita coisa, foi com minha vivência na periferia, o apoio da escola, da minha família e dos professores que consegui entender o mundo e, de certa forma, conquistar meu espaço nele”, afirma.

Hoje, como Senior Concept Artist, Matheus é referência para muitos jovens da periferia e também para profissionais da área, mostrando que, mesmo com as adversidades, é possível transformar sonhos em realidade.

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