Tem sapo no meu quintal! Entenda os benefícios de preservar os sapos, pererecas e rãs no ambiente urbano

Reportagem: Guilherme Castro / Instituto Butantan

Talvez você já tenha visto em algum desenho alguém fazendo uma “poção mágica” que tinha como ingrediente patas de rã ou pele de perereca. Ou então, ouviu falar por aí que, se tocar em um sapo, pode ficar com cobreiro. Esses bichinhos cercados de estigma só começaram a ser compreendidos depois das primeiras definições sistemáticas em livros, que começaram a aparecer durante a Idade Média. E, ao contrário do imaginário popular, sapos, rãs e pererecas não espirram veneno que causa cegueira e não transmitem doenças a quem encostar em sua pele. Longe disso: os anuros que vivem no quintal de uma casa, por exemplo, ajudam a controlar pragas e ainda funcionam como bioindicadores da qualidade do meio ambiente.

A questão é que esses benefícios ecológicos estão por um triz: 30% das 5.600 espécies de sapos, rãs e pererecas do mundo estão ameaçadas de extinção, sendo que 35 espécies foram extintas nos últimos 30 anos. De acordo com artigo dos pesquisadores Vanessa Kruth, Marianna Dixo e Felipe Franco publicado na Revista Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), essa diminuição é resultado da alteração e destruição de paisagens naturais, aumento na incidência de radiação ultravioleta, poluição e aquecimento global.

Segundo o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Répteis e Anfíbios (RAN), existem no Brasil 1.144 espécies de sapos, rãs e pererecas, o que faz do país o lugar com maior diversidade de espécies do grupo Anura no mundo. A abundância de espécies é fundamental para manter a biodiversidade do planeta e contribuir para avanços na ciência: esses animais podem dar origem a possibilidades ainda pouco exploradas pela pesquisa, como compostos antibióticos (e outros) que produzem nas glândulas de sua pele.

Por que sapos, rãs e pererecas são tão importantes? Preservar os anuros ajuda a…

●    Controlar pragas e outros bichos

Os anuros são grandes predadores de animais invertebrados, como formigas, aranhas, cupins e até escorpiões. As pererecas pequenas, que podem escalar as paredes internas das casas, são grandes predadores de mosquitos, incluindo o Aedes aegypti, famoso por ser o vetor (ou causador) da dengue. Isso quer dizer que, se você tiver um deles no jardim, ou mesmo dentro de casa, estará mais protegido contra insetos, aracnídeos e artrópodes de importância médica. Um exemplo de espécie que pode ajudar no controle das pragas da sua casa é o sapo-cururu ou sapo-boi (do gênero Rhinella), que é extremamente resistente ao veneno do escorpião-amarelo, campeão de casos de acidentes no Brasil, conforme estudo do pesquisador Carlos Jared, diretor do Laboratório de Biologia Estrutural do Instituto Butantan. “A melhor coisa para quem mora em casa é ter alguns sapos em volta dela. Eles comem de tudo”, explica.

●    Facilitar a identificação de toxicidade de regiões

Sapos, rãs e pererecas possuem pele fina e sensível, já que uma boa parte da respiração desses animais acontece por meio dela. Por isso, precisam de condições favoráveis de água, vegetação e clima para sobreviver e proliferar. Como são extremamente suscetíveis às alterações ecológicas, esses animais servem como bioindicadores e podem revelar o grau de saúde ambiental de uma região (incluindo a contaminação por agentes tóxicos).

●    Avançar descobertas científicas

Os anfíbios, em especial os anuros (os sem cauda), são muito desconhecidos pelo ponto de vista da sua anatomia. A secreção das glândulas espalhadas pela pele dos sapos, rãs e pererecas, por exemplo, são muito estudadas porque fornecem substâncias antimicrobianas (antibacterianas e antifúngicas). Carlos Jared e outros pesquisadores do Butantan identificaram, ao trabalhar com a perereca Phyllomedusa nordestina (perereca verde), que habita a Caatinga, substâncias antibióticas e que atuam no controle da pressão arterial. Existem vários estudos em andamento, como os que sugerem que outros compostos químicos das pererecas verdes podem também ser úteis para combater a doença de Parkinson e até o Alzheimer.

Sapos “passam cobreiro”? Desfazendo alguns mitos

●    Não transmitem cobreiro e nem são vetores de doenças

O cobreiro, nome popular da doença herpes-zóster, causada pelo vírus varicela-zóster (VVZ), não é uma condição que pode ser passada de bicho para pessoa. O vírus que causa a doença, o mesmo da catapora, pode existir no corpo de qualquer indivíduo em sua forma dormente. Ele permanece assim por muitos anos, até ressurgir e causar estragos. Os anuros, em especial os sapos, não têm nada a ver com a doença.

●    Não esguicham veneno capaz de cegar e nem de envenenar

Como dependem de umidade para sobreviver, os anfíbios têm um tipo de “bexiga” que serve para reservar água (e não para armazenar urina). Para se proteger e confundir predadores, eles podem esguichar essa água – daí vem a ideia folclórica de que o sapo espirra veneno no olho das pessoas. “Os sapos, rãs e pererecas, em maioria, têm defesa passiva. Eles não atacam ninguém”, explica Carlos Jared. O líquido armazenado nessa “bexiga” não causa danos às pessoas.

Mas e os pets? 

Em geral, bichos de estimação podem ser envenenados ao tentar morder um anuro. O veneno que existe em glândulas nas costas dos sapos-cururus (chamada de glândulas parotóides) só esguicha se elas forem pressionadas, por exemplo. Ele atua via mucosa, ou seja, age depois da mordida ao entrar em contato com a boca, e pode causar danos gerais, principalmente cardiotóxicos e gastrotóxicos. O ideal é cuidar bem dos pets para que eles não ataquem sapos, rãs e pererecas.

Não gosto mesmo de sapos. O que posso fazer para espantá-los da minha casa?

Não mate sapos, rãs e pererecas. Matar ou maltratar animais silvestres configura crime ambiental (artigo 29 da Lei de Crimes Ambientais), com pena de seis meses a um ano de prisão e multa.

Para evitar que eles escolham o seu quintal como passagem ou residência fixa, deixe sempre o local limpo, com grama aparada e sem muitos buracos. Diminuir a iluminação externa durante a noite também é uma boa estratégia, já que reduz a aparição de insetos, fonte de alimentação de anuros.

Invista em cercas ou telas firmes e com tramas pequenas para evitar a entrada desses bichos e para direcioná-los a outro lugar sem machucá-los. É importante não impedir sua alimentação e reprodução, de modo a não desregular o ecossistema.

Se ainda assim encontrar um sapo, rã ou perereca, retire-o cuidadosamente de casa com o auxílio de luvas. Lembre-se: esses bichinhos trazem muitos benefícios se deixados em paz e são fundamentais para o ecossistema.

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