Mãe de menina de 13 anos que engravidou após estupro está ‘aliviada’ após STJ autorizar aborto, diz advogado


Pai da menina havia entrado com pedido para proibir autorização, e Justiça de Goiás acolheu solicitação. Decisão do STJ aponta violência sexual, psicológica e institucional. Fachada do Tribunal de Justiça de Goiás, em Goiânia
Divulgação/TJGO
A menina de 13 anos que foi impedida de fazer um aborto conseguiu no Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorização para interromper a gravidez. Ao g1, o advogado da mãe da adolescente contou que ela está “aliviada” que a filha poderá fazer o procedimento. O pai da menina havia entrado com um pedido judicial para proibir a autorização do aborto legalizado e teve a solicitação acolhida pela Justiça de Goiás (entenda cronologia do caso abaixo).
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“É um alívio para a mãe ter a garantia do direito de escolha de sua filha. A mãe está muito aliviada porque finalmente sua filha pode escolher o que vai fazer e ter seu direito respeitado”, disse o advogado.
O g1 pediu um posicionamento ao pai da adolescente por meio de mensagem enviada no dia 13 de julho. Também foi solicitado um posicionamento ao homem de 24 anos indiciado por estupro no dia 15 de julho. No entanto, não houve retorno deles até a última atualização da reportagem.
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A ministra Maria Thereza de Assis Moura, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), autorizou a menina a interromper a gravidez. A informação foi divulgada na quinta-feira (25).
A decisão afirma que a intervenção do STJ foi necessária para “fazer cessar o constrangimento ilegal a que se encontra submetida a paciente [vítima]”.
“Defiro o pedido de liminar para autorizar a interrupção da gestação da adolescente, seja pela via do aborto humanitário, caso assim escolher, seja pela antecipação do parto, preponderando-se sempre a vontade da paciente, com o devido acompanhamento e esclarecimentos médicos necessários”, afirma a decisão.
A decisão também aponta que o caso demonstra “extrema vulnerabilidade por parte da adolescente vitimizada não apenas pela violência sexual perpetrada pelo seu agressor, mas também pela violência psicológica exercida pelo pai e por seus representantes e pela violência institucional decorrente da demora na realização de procedimento de interrupção de gestação que vem sendo buscado há 2 (dois) meses”.
Na quinta-feira, a adolescente passou por atendimento médico no Hospital Estadual da Mulher (Hemu). No entanto, o aborto não foi realizado na data.
Entenda o caso:
Fevereiro: A gravidez da adolescente foi denunciada ao Conselho Tutelar depois que ela foi a uma unidade de saúde relatar a gestação.
Segundo relatos feitos ao Conselho Tutelar, a menina estaria se “relacionando” com o homem de 24 anos e ocorreram quatro encontros no mês de janeiro. O artigo 217 do Código Penal diz que “aquele que tiver qualquer tipo de relacionamento amoroso com alguém que não tenha completado 14 anos, está sujeito a ser responsabilizado pelo crime de estupro”.
O Conselho Tutelar notificou o pai da menina, orientando-o a registrar o caso na polícia. O pai teria dito que não tinha interesse em registrar o caso e explicou ao Conselho Tutelar que fez um acordo com o suspeito para que ele “assumisse toda a responsabilidade acerca do bebê”.
Março: O Conselho Tutelar visitou a adolescente e verificou que ela não estava realizando o pré-natal de forma adequada
O Conselho Tutelar encaminhou a menina ao programa Meninas de Luz, da Organização dos Voluntários de Goiás (OVG), para que ela pudesse participar do atendimento de apoio socioassistencial a gestantes em situação de vulnerabilidade social.
Também foi solicitada a matrícula dela em uma escola, uma vez que ela não estava matriculada. O pai da menina foi advertido para ser responsável por garantir que a adolescente frequentasse as aulas e realizasse o pré-natal.
Maio: A adolescente pediu ajuda a uma conselheira tutelar por mensagem para que a profissional conversasse com seu pai, uma vez que ele a havia proibido de interromper a gestação
A adolescente relatou ao Conselho Tutelar que decidiu interromper a gestação no final de abril e que, desde então, tentava convencer o pai a concordar com sua decisão, mas eles não conseguiam chegar a um acordo. Diante desse novo cenário, o Conselho agendou um atendimento da família com a equipe do Hospital Estadual da Mulher (Hemu) para que profissionais pudessem fornecer orientações à menina e ao responsável sobre o procedimento.
Na ocasião, sem a autorização dos responsáveis da adolescente para o aborto e com a gestação se aproximando da 20ª semana, o Hospital Estadual da Mulher (Hemu) ficou legalmente impedido de realizar o procedimento desejado pela menina.
De acordo com o Conselho Tutelar, depois que o pai da adolescente a proibiu de interromper a gestação, com isso, o hospital não pôde realizar o procedimento legalizado, a menina cogitou a tomar outras providências sozinha.
“A adolescente também [disse] que, se não tivesse apoio na decisão da interrupção da gestação, ela iria “tomar outras medidas por parte dela””, explicou o Conselho Tutelar em documento à Justiça.
Junho: Decisão proíbe a interrupção da gravidez
O Conselho Tutelar solicitou que o caso fosse avaliado com rapidez pelo Juizado da Infância e da Juventude e pelo Ministério Público de Goiás. No início de junho, uma decisão judicial proferida pela juíza Maria do Socorro de Sousa Afonso da Silva autorizou que a gravidez fosse interrompida, mas determinou que o procedimento fosse realizado com a “proteção ao nascituro e a aplicação das medidas protetivas de acompanhamento médico e psicológico pela rede pública protetiva”.
A magistrada ressaltou que, a menos que representasse risco de morte para a adolescente, ficaria proibida a utilização de procedimento ou de qualquer outro método que induzisse a morte do feto.
No dia 27 de junho, foi publicado o documento que proibiu a realização do aborto legalizado na menina, assinado pela desembargadora Doraci Lamar Rosa da Silva Andrade, atendendo ao pedido feito pelo pai da adolescente.
Segundo relatado na decisão emitida no fim de junho, a menina estava na 25ª semana de gestação. A desembargadora destacou que, no documento em que pediu a proibição do aborto, o pai argumentou que “não há relatório médico que indique risco na continuidade da gestação”, que “o delito de estupro está pendente de apuração” e que a menina “estava se sentindo pressionada pelas imposições do Conselho Tutelar e acreditava que a interrupção gestacional interromperia também as ações do conselho”.
Em seguida, a desembargadora proibiu a realização de qualquer procedimento para a interrupção da gravidez. Ela justificou que, até o momento atual, não há no processo qualquer documento assinado por um profissional de saúde que comprove o risco de morte da gestante.
Julho: Associação de juristas reclama de decisão ao CNJ e órgão pede explicações ao tribunal goiano
Em apoio à adolescente, a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) fez uma reclamação disciplinar sobre a decisão do tribunal goiano. No documento, a associação considera o pedido do pai da adolescente como fruto de uma atitude “completamente irresponsável e criminosa”, uma vez que o pai teria explicado ao Conselho Tutelar que se tratava de um acordo entre ele e o estuprador, que teria se comprometido a “assumir toda a responsabilidade acerca do bebê”.
Após a decisão da desembargadora, o CNJ, em um documento emitido no dia 12 de julho, informou ter tomado conhecimento de que a menina, grávida de 28 semanas, estava sendo impedida pelo TJ-GO de realizar um aborto legal. Em seguida, o Conselho determinou que a juíza e a desembargadora forneçam explicações acerca de suas respectivas decisões. Elas devem prestar as informações que considerarem pertinentes. Segundo o TJ-GO, as providências solicitadas estão sendo tomadas.
Julho: Ministra das Mulheres se manifesta e diz que ministério passou a acompanhar o caso
Após a decisão do TJ-GO, a ministra Cida Gonçalves afirmou que o Ministério das Mulheres está acompanhando o caso. Ela também destacou que o Corregedor Nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão, já declarou que “é inequívoca a urgência e a gravidade do caso”.
“É preciso reforçar que casos como este sequer deveriam ter que passar pelo crivo da Justiça. A legislação brasileira é clara: se a gravidez é decorrente de estupro, põe em risco a vida da gestante ou há anencefalia, a gestante tem o direito de interromper a gravidez. Exigências desnecessárias como autorizações judiciais transformam a busca pelo aborto legal em um calvário na vida de meninas e mulheres”, disse Cida Gonçalves.
“Como falamos tantas vezes nas últimas semanas, criança não é mãe, estuprador não é pai e a vida de uma criança corre risco se mantida a gravidez. Não podemos admitir nenhum retrocesso nos direitos das meninas e mulheres!”, completou a ministra.
Julho: Ministério dos Direitos Humanos cobra providências adotadas para proteger adolescente
Conforme publicação no site do Ministério dos Direitos Humanos, foram oficiados o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), o Ministério Público de Goiás (MP-GO), a Defensoria Pública de Goiás (DPE-GO), o Juizado da Infância e Juventude de Goiânia, o Conselho Tutelar da região de Campinas (GO), a Casa dos Conselhos localizada em Goiânia e o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDCA/GO).
O g1 pediu posicionamentos por meio de e-mails enviados na tarde de quarta-feira (24), mas não obteve retorno do Juizado, Conselho Tutelar e CEDCA até a última atualização desta reportagem. O MP-GO destacou que não pode fornecer detalhes devido ao sigilo do processo, mas afirmou que ainda não recebeu o ofício do MDHC e que o responderá assim que receber.
Julho: Homem que engravidou a menina de 13 anos é indiciado
O homem que engravidou a menina de 13 anos foi indiciado por estupro de vulnerável. A Polícia Civil concluiu a investigação após o laudo de exame de corpo de delito confirmar a prática sexual criminosa. Também foram ouvidos a vítima, testemunhas e o suspeito.
À polícia, o suspeito disse que não sabia e não perguntou a idade da adolescente. A Polícia Civil considerou que a afirmação, por si só, não constitui elemento apto a configurar “erro de tipo”, ou seja, praticar algo sem saber que é crime.
A Polícia Civil disse ainda que, de acordo com o Código Penal e a jurisprudência dos Tribunais Superiores, em crimes sexuais contra menores de 14 anos, o consentimento da vítima ou a existência de relacionamento amoroso com o autor não excluem a ocorrência do crime de estupro de vulnerável.
Julho: STJ autorizou aborto
A ministra Maria Thereza de Assis Moura, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), autorizou a menina a interromper a gravidez. A decisão afirma que a intervenção do STJ foi necessária para “fazer cessar o constrangimento ilegal a que se encontra submetida a paciente [vítima]”.
“Defiro o pedido de liminar para autorizar a interrupção da gestação da adolescente, seja pela via do aborto humanitário, caso assim escolher, seja pela antecipação do parto, preponderando-se sempre a vontade da paciente, com o devido acompanhamento e esclarecimentos médicos necessários”, diz a decisão da presidente do STJ.
A decisão também aponta que o caso demonstra “extrema vulnerabilidade por parte da adolescente vitimizada não apenas pela violência sexual perpetrada pelo seu agressor, mas também pela violência psicológica exercida pelo pai e por seus representantes e pela violência institucional decorrente da demora na realização de procedimento de interrupção de gestação que vem sendo buscado há 2 (dois) meses”.
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