Lagartas e formigas negociam pacto de proteção para vida selvagem

Texto: Beatriz La Corte* / Jornal da USP

Imagine estar em uma floresta tropical e testemunhar um acordo silencioso, mas minuciosamente estratégico, entre formigas e lagartas. Essas pequenas criaturas não só coexistem, mas também negociam um tipo de “pacto de proteção”. Pesquisadores da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP observaram que algumas lagartas usam estratégias comportamentais e químicas para sobreviver ao lado de formigas que poderiam facilmente matá-las.

O estudo revelou que essas lagartas mirmecófilas – as que interagem com formigas – possuem estruturas especializadas que liberam recompensas açucaradas e sinais químicos específicos para as formigas com quem se relacionam. Esses sinais funcionam como promessas de recompensa: se as formigas não atacarem, serão recompensadas. Quando essas lagartas vivem em plantas habitadas por formigas da mesma espécie com as quais têm parceria, são aceitas e protegidas.

Se transferidas para plantas ocupadas por formigas que essas lagartas não se associam, a história muda: elas são vistas como intrusas e rapidamente eliminadas. Esse comportamento destaca a importância da especificidade nesse sistema. As análises químicas do estudo mostraram que os cheiros das lagartas são únicos e isso as tornam identificáveis quimicamente.

“Este sistema de interação multiespécie nos lembra como até os menores seres vivos têm papéis sofisticados na grande trama da natureza. Compreender essas relações pode ajudar a preservar ecossistemas complexos e essenciais para a biodiversidade.”

Luan Dias Lima - Foto: Arquivo pessoal

Luan Dias Lima – Foto: Arquivo pessoal

Metodologia

O estudo foi conduzido na Sede da Estação Ecológica da Serra das Araras em Porto Estrela, Mato Grosso, e coletou amostras de duas espécies de lagartas mirmecófilas, a Juditha molpe e a Nymphidium chione, com 66 e 60 lagartas, respectivamente. Cada uma dessas espécies se associa exclusivamente com espécies de formigas e desovam em plantas infestadas por esses animais. Os pesquisadores dividiram a população estudada em campo em dois grupos. No grupo controle, os cientistas removeram as lagartas Juditha molpe e Nymphidium chione de suas plantas hospedeiras e as colocaram em plantas diferentes ocupadas por outras colônias da mesma espécie que essas lagartas costumam se associar. No experimento teste, os cientistas colocaram as lagartas em plantas diferentes e ocupadas por espécies de formigas com as quais elas nunca se associaram na natureza.

As espécies de lagartas analisadas no estudo são neotropicais – Fotos: © J. Movia (A), H. Soares Júnior (C, F) e de LL Mota (D), reprodução do artigo

As espécies de lagartas analisadas no estudo são neotropicais – Fotos: © J. Movia (A), H. Soares Júnior (C, F) e de LL Mota (D), reprodução do artigo

O experimento demonstrou que ambas as espécies foram aceitas pelas suas respectivas formigas associadas quando transferidas para outro ambiente, e ambas eram atacadas por espécies não associadas. A taxa de aceitação e rejeição não variou entre os animais. Em entrevista ao Jornal da USP, o pesquisador Luan Dias Lima comenta que essas lagartas são identificadas a partir de seu cheiro. Análises químicas mostraram diferentes concentrações de compostos entre esses animais, o que evidencia um cheiro diferente para cada espécie de lagarta. Luan explica que existem lagartas que transmitem cheiros de plantas e passam despercebidas; cheiros das próprias formigas e são acolhidas como parte da colônia e; desta vez, cheiros desse doce específico. Para o biólogo, é muito importante reconhecer os mecanismos por trás de cada uma dessas estratégias.

O estudo observou alto grau de aceitação entre formigas e lagartas associadas e alto grau de rejeição entre formigas e lagartas não associadas – Fotos de © H. Soares Júnior (B, D), reproduzidas do artigo

O estudo observou alto grau de aceitação entre formigas e lagartas associadas e alto grau de rejeição entre formigas e lagartas não associadas – Fotos de © H. Soares Júnior (B, D), reproduzidas do artigo

“Nossas análises – comportamentais e químicas – indicam que as formigas reconhecem hidrocarbonetos específicos, enquanto as lagartas transmitem sinais dos órgãos mirmecófilos [para interação com formigas] que são essenciais para a sua sobrevivência”

Próximos passos

Luan Dias Lima comenta os próximos passos da investigação: “Nós queremos entender também como essa relação afeta outros seres daquele ecossistema – como as plantas, por exemplo”. Ele explica que o doce liberado pelas lagartas apresenta um valor nutricional, o que atrai as formigas. “Agora, iremos investigar se esse açúcar é mais interessante ou mais nutritivo do que o açúcar que as plantas oferecem”, diz o cientista.

Ele observa ainda que essa associação ecológica pode ser um problema para as plantas. Em uma interação comum, as formigas protegem esses seres em troca do açúcar produzido por eles. No caso das lagartas mirmecófilas, as formigas escolhem se associar a estes animais, que usam as próprias plantas como fonte de alimento.

Outro objeto de pesquisa é a investigação do perfil anatômico dessas lagartas, que apresentam órgãos mirmecófilos – aqueles especializados para interação com formigas.

Mais informações: e-mail [email protected], com Luan Dias Lima

*Estagiária com orientação de Fabiana Mariz

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