Ação de vereador em unidades de saúde vira polêmica em Novo Hamburgo; entenda

A visita de um vereador a unidades de saúde pública vem gerando debate em Novo Hamburgo. Vídeos divulgados por ele nas redes sociais denunciam que médicos estariam dormindo em horário de trabalho, o que revoltou a população. Entidades da categoria reagiram, dizendo que o intervalo é assegurado por lei e querem que o parlamentar seja responsabilizado pela “exposição sensacionalista” dos profissionais.

Na primeira abordagem, na UPA Centro, Araújo saiu aplaudido pelos usuários que aguardavam atendimento | abc+



Na primeira abordagem, na UPA Centro, Araújo saiu aplaudido pelos usuários que aguardavam atendimento

Foto: Reprodução

Foi na madrugada da última terça-feira (21) que o vereador de primeiro mandato Joelson Araújo (Republicanos) passou pelas unidades de pronto atendimento (UPAs) do Centro e do bairro Canudos. Segundo ele, a ideia era “verificar se os profissionais estavam trabalhando”. A ação foi registrada em vídeo e divulgada nas redes sociais.

O vereador chegou à 1h10 na UPA Centro. Estava acompanhado de um homem que seria vigilante do local. Após passarem pela recepção, onde haveria cerca de dez pessoas aguardando atendimento, eles foram até a área de descanso dos médicos. Araújo bate à porta e declara: “Vamos ali vistoriar para ver se o pessoal realmente está trabalhando para atender a população”.

Uma médica abre a porta e é abordada pelo vereador. “Estamos aqui para cobrar vocês no trabalho de vocês.” Ele questiona se “estão com salário atrasado” e a médica responde que não. “Então vocês devem trabalhar pelo povo”, acrescenta o vereador. Na sequência ele diz que “não existe horário para descansar em duas horas e pouco e revezando três médicos, pra um somente atender. É um absurdo”.

Na UPA Canudos o parlamentar é acompanhando por um guarda municipal até o local de descanso dos médicos | abc+



Na UPA Canudos o parlamentar é acompanhando por um guarda municipal até o local de descanso dos médicos

Foto: Reprodução

O vídeo, que foi editado, mostra o vereador criticando os médicos. “Por causa de vocês esse povo sofre. A senhora está sendo aguardada lá embaixo”, disse. Na sequência do vídeo, ao passar pela recepção ele comenta com os pacientes: “Acordamos dois médicos que estavam tirando um soninho”.

Na sequência o vereador foi até a UPA do bairro Canudos. Dessa vez, acompanhado de um guarda municipal. O vereador do Republicanos repete a abordagem e diz à médica que “o salário de vocês é pago para atender a população”.

O que diz o vereador

Procurado pelo Grupo Sinos, o vereador afirmou que não considera sua abordagem desrespeitosa e destacou que estava cumprindo seu papel como parlamentar. “Fiscalizar é dever de um vereador e foi exatamente isso que fizemos. Não invadimos nenhum espaço indevido e apenas cobramos que os profissionais cumprissem com suas responsabilidades”, declarou.

Entidades médicas reagem

A polêmica começou ainda na quarta-feira (22) e, nesta quinta-feira (23), as entidades médicas reagiram. Em entrevista à Rádio ABC 103.3 FM, o presidente do Sindicato dos Médicos de Novo Hamburgo, Kleber Fisch, classificou a atitude como “degradante” e fora das competências do parlamentar. Segundo ele, o vereador pode inspecionar a estrutura das unidades, mas não tem autoridade para fiscalizar o trabalho dos médicos.

“O correto seria relatar problemas ao Conselho Regional de Medicina ou ao sindicato da categoria, que têm competência para apurar. A abordagem foi desrespeitosa e demonstra falta de conhecimento sobre o funcionamento das unidades de pronto atendimento”, destacou.

“Tem que explicar como a coisa funciona, não chegar uma pessoa completamente despreparada, sem conhecimento nenhum de como funciona uma UPA, e chegar ali chutando porta”, acrescentou, criticando o tom da visita. “Se fosse comigo, empurrava esse cara escada abaixo e chamava a polícia”.

A classificação das prioridades

Segundo Fisch, atrasos no atendimento são decorrentes da prioridade dada a emergências graves. Naquele dia a equipe havia lidado com casos críticos, incluindo parada cardíaca e o óbito de uma criança afogada, o que teria justificado atrasado de consultas sem urgência.

“Não é errado descansar no plantão”

De acordo com o dirigente, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e pareceres de conselhos médicos determinam que os médicos plantonistas têm direito a períodos de descanso de até duas horas dentro de turnos de 12 horas, desde que não haja pacientes necessitando de atendimento de urgência ou emergência.

“Ninguém vai querer chegar lá de madrugada numa parada cardíaca e encontrar um médico com o olho esbugalhado, cansado, sem conseguir pensar direito para fazer o atendimento. Isso é importante, fique claro: não é errado descansar no plantão. Não tem porque o médico ficar sentado no consultório vazio esperando”, pontua.

Kleber Fisch diz ainda que o padrão de pré-classificação dos pacientes seguido nas triagens em todo o País permite que o paciente entenda o tempo de espera. “Pacientes classificados como verde podem aguardar até duas horas, dependendo do movimento. Não é razoável que alguém chegue à meia-noite e se queixe de esperar meia hora. Isso muitas vezes é uma conveniência do paciente, embora saibamos que fatores econômicos e dificuldades de locomoção influenciam”, opina.

Caso vai parar na Justiça

O sindicato garante que acionará juridicamente o vereador Joelson Araújo, apontando que ele infringiu normas e cometeu infrações penais. Disse ainda que atitudes como essa criam “atrito desnecessário entre médicos e a população”.

“A população tem que cobrar serviços, agilidade e funcionalidade do poder público, que é quem paga, decide o número de médicos e fornece os recursos. O médico é apenas mais um prestador de serviço”, conclui.

O dirigente citou que, dias atrás, outro vereador – Juliano Souto (PL) – fez visitas semelhantes em unidades de saúde, mas com abordagem diferente. “A abordagem foi respeitosa, com diálogo educado e sem interferência no descanso dos médicos”, pontuou.

Classe médica quer providências da Câmara de Vereadores

Além de medidas legais, entidades ligadas aos médicos querem que a Câmara de Vereadores tome providências. O presidente do Legislativo, Cristiano Coller (PP), foi acionado e ouviu um pedido de abertura de procedimento no Conselho de Ética por quebra de decoro pelo vereador Araújo.

O presidente informou que não cabe a ele decidir pela abertura ou não de procedimento para apurar a conduta dos vereadores. “O requerimento deve ter protocolo oficial na Casa e estar acompanhado de documentos comprobatórios”, informou o presidente por meio de nota.

O que dizem Cremers, Simers e Amrigs

No fim da tarde desta quinta-feira, a Associação Médica do RS (Amrigs), o Conselho Regional de Medicina (Cremers) e o Sindicato Médico do RS (Simers) soltaram nota manifestando “veemente repúdio à recente atitude de um vereador que expôs, de forma sensacionalista, médicos em exercício na unidade de saúde de Novo Hamburgo”.

O texto diz ainda que “a gravação de imagens nas dependências da UPA Centro e da UPA Canudos registrou médicos em momentos de descanso, direito assegurado por lei. Tal prática desrespeitosa promove desinformação e lança acusações infundadas contra profissionais que enfrentam jornadas intensas para oferecer atendimento de qualidade à comunidade”.

“O descanso adequado é fundamental para que os médicos desempenhem suas funções de maneira segura e eficaz. Profissionais exaustos estão mais suscetíveis a erros, colocando em risco o cuidado aos pacientes e a segurança geral no atendimento. A CLT assegura aos trabalhadores, incluindo os médicos, intervalos para repouso ou alimentação após seis horas de atividade contínua”, informam as entidades.

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